domingo, abril 15, 2007

A Páscoa de todos os tempos


Flávio Mussa Tavares

A sofisticação de nossa sociedade fez com que nós nos contentássemos com o conforto que o capitalismo nos vem oferecendo. São mil maneiras de nos sentirmos à vontade com a vida, preguiçosamente acomodados e nervosamente apressados com a necessidade de enriquecer e fazer melhorias na nossa vida e nas nossas posses.

Estamos retornando ao Egito de todos os tempos. Não ao Egito histórico e geográfico, que cresce às margens dadivosas do Nilo, sob os auspícios dos poderosos faraós, mas ao Egito metafísico, imagem de nossa prepotência materialista.

Um dia, por uma ordem misteriosa, Moisés fez o seu povo abandonar seus haveres na terra da servidão e lançar-se a uma aventura no deserto, apenas para obedecer a uma ordem e cumprir uma promessa. Deixem tudo. Estas casas, estas terras não são nossas, são dos nossos opressores. Acompanhem-me em direção à terra da promessa, onde viveram nossos pais, além do mar vermelho, além do deserto...

Diante de sinais surpreendentes a massa o seguiu para a jornada longínqua e de tal maneira essa viagem se prolongou, com muitos percalços, que as pessoas duvidaram e tiveram saudade de seus pertences materiais, de sua vida acomodada à terra das maravilhas materialistas e à adoração aos ídolos que lhes facultava benesses materiais e prazeres fáceis. Esses ídolos priorizavam as paixões, pois eles mesmos eram viciosos. Alimentar a ira, a sensualidade e a cobiça fazia parte de um projeto de adulação aos deuses de pedra e da impiedade.

Moisés então psicopictografou nas pedras do Sinai dez artigos que basilavam a conduta humana na adoração a Deus e na retidão de comportamento ente os homens, com respeito e equidade.

A Páscoa é justamente a travessia psicológica do Egito metafísico das paixões e dos vícios capitais da alma humana de todos os tempos, para a terra prometida, para a libertação da servidão. Essa passagem é de longa duração, entremeada de perigos e nostalgia das facilidades do Egito. Ela faz com que nos percamos no desejo de retornar à aparente segurança da servidão. Ela faz com que venhamos a ter medo à liberdade.

Erich Fromm, psicanalista alemão que associou o método freudiano à análise marxista da sociedade considerava que o ser humano tem medo à liberdade, tema aliás de um de seus livros. "A história da humanidade é a história da busca da individuação e da aspiração de liberdade", diz Fromm, sinalizando para a sua concepção amalgamada das teorias marxista de sociedade e freudiana da psique humana. O medo à liberdade pode ser visto como o medo do oprimido, do pássaro que não quer voar para além dos limites do viveiro e o medo do opressor, que não quer perder o seu poder. Ambos vivem, em posições diametralmente opostas, mas igualmente prejudicadas, o medo à esse dom divino que é a liberdade. No Egito, alguns escravos tiveram medo de deixar suas casas e se aventurar no deserto. E a classe aristocrática egípcia teve medo de perder seus servos humildes e mansos.

Nos nossos dias a "egiptificação" de nossa sociedade produz um retorno voluntário ao estado de servidão. A Educação para a Servidão está na polaridade inversa da educação para a liberdade.

A história tem sido um fluxo e refluxo de nossas estados de retorno à servidão e alguns poucos surtos de busca de liberdade.

As avenidas largas que nos conduzem à servidão são sempre lindas e sofisticadamente ornamentadas pelos profissionais de marketing e propaganda do materialismo e da educação para a servidão. Utilizam-se da mídia escrita, da falada e televisiva, além da internet, empregando técnicas refinadas de neurolinguística, com a finalidade de formatar as mentes dos indivíduos, notadamente os jovens para se tornarem adoradores da ilusão. As mensagens subliminares constantes de todos os jogos e filmes visam a nos fazer cada vez mais tolerantes com os valores egípcios e cada vez mais descrentes da possibilidade de se cumprir leis divinas no mundo.

Os pecados capitais são a inversão polarizada do decálogo divino. É muito fácil tender psicologicamente para os chamados pecados capitais, por que eles são atavismos gravados em nosso subconsciente nas épocas imemoriais de nosso passado egípcio. Digo passado egípcio, não me referindo, obviamente a uma hipotética encarnação nossa nas férteis terras marginais do Nilo, mas a uma memória de nosso tempo em que vivemos na era da servidão, da idolatria e da supervalorização das paixões e dos bens materiais.

Que época é essa? A dos faraós? Não! É justamente essa época em que vivemos quando o refluxo cíclico à nossa egiptificação nos conduz a um tempo jamais visto de materialismo e de convite ao individualismo e a sensualidade. Jamais em época alguma da humanidade os valores materialistas ousaram tanto, de modo a "enganar até os escolhidos".

Politeísmo pragmático é o que vivemos hoje. Idolatria aos deuses do mercado. Mamon é o grande deus do mercado financeiro. Mamon é o rei do mundo e quase todos lhe servem, já que é impossível servir à ele e à Deus.

Não se honra mais a memória de seus pais.

A astúcia, levando-nos a idéia de que é preciso "levar vantagem em tudo", transformou quase que toda a humanidade em ladra.

O adultério banalizou-se e já não se sente culpa pelo desmantelamento de uma instituição fundada desde os primórdios.

Assassinar é um jogo, desde os videogames, passando pelo gosto de filmes de violência até as vias de fato, produzindo emoção mórbida em muita gente.

Mentir virou uma arte e os jogos de pôquer da vida, onde o blefe, a mentira faz enriquecer, os reality shows, onde o público hipnotizado escolhe os mentirosos como seus ídolos petrificados na imolação da justiça frente a infâmia.

A cobiça é a regra básica de Mamon, fazendo do gosto ao luxo o desejo de prazer e da preguiça, as molas mestras de sua enganação.

Converter o vício da terra da servidão em virtude da terra da promessa é a maior arte dos que crêem na Páscoa. Não apenas na libertação de um momento, mas a libertação atemporal. Pessach é a passagem através do deserto. Deserto é lugar de aridez, de solidão, de abandono, de secura de alma, de conflitos, de nostalgia da servidão, de vontade de retornar ao passado de erros, de quedas na idolatria e na sensualidade, de vergonha de nossa indolência, de nossa covardia e de nossa cupidez.

Mas acima de tudo é lugar de bênção, de maná,de graças dos céus, de oásis auspiciosos e de promessa esperançosa. Perseverar até o fim, este o nosso propósito máximo.

Páscoa, educação para a liberdade. Não para a liberdade de seguir o erro, de seguir o atavismo, que é na realidade escravizar-se, retornar à servidão. Mas liberdade de resistir, de recuar diante da tentação, de criar novas tendências virtuosas, substituindo os velhos ciclos viciosos de nossa alma. É preciso frear o processo de corrupção de valores intrínsecos do nosso ser imortal e buscar a indestrutibilidade de nossa verdadeira essência no prazer de não pecar, no prazer de ser simples, no prazer de ser humilde, no prazer de ser brando, no prazer de ser sincero, no prazer de ser corajoso e no prazer de ser fiel até o fim.

3 comentários:

Anônimo disse...

FLÁVIO,

A "NOSSA" ESCOLA JESUS CRISTO ESTÁ, REALMENTE, MUITO BEM REPRESENTADA TENDO VOCÊ À FRENTE DELA.
PARABÉNS !!!
SEUS ESCRITOS SÃO FORMIDÁVEIS.
ACEITE MEU MAIS FRATERNO ABRAÇO,

LEONOR BRASILEIRO PINTO.

Juliana Tavares disse...

Outra pessoa comentou... Que bom!
Achei interessante a relação entre a servidão dos judeus aos egípsios e a nossa servidão ao grande capital nos dias de hoje! Mais uma vez, é hora de fazer a passagem...
Talvez essa passagem seja individual, ou talvez, coletiva! Talvez outro lider como Moisés seja fundamental nesse momento!
Mas a verdade é uma: não há como adorar Deus e mamom ao mesmo tempo!
Bjs

Anônimo disse...

Parabéns pela clareza nas palavras. Realmente temos que fazer a passagem. Creio que o grande líder desta vez é a Espiritualidade; são os ensinos da Doutrina Espírita, clareando a mente e fortalecendo-nos para a aridez da passagem.

Abraço,
Antonio