terça-feira, novembro 15, 2011

De Marx a Kardec- Carlos Vereza


Minha História - Carlos Vereza, 72

de Marx a Kardec

(...) Tive que conviver pelos três anos seguintes com um zumbido agudo persistente, angustiante, alto -dormia e acordava com ele

MORRIS KACHANI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
FOLHA DE SÃO PAULO

RESUMO O ator Carlos Vereza gravava um episódio da série "Delegacia de Mulheres" (Globo) quando uma explosão de pólvora o levou a uma labirintite extrema. Era 1989. Entregou-se ao espiritismo e se restabeleceu em menos de sete meses. Tornou-se um adepto laborioso dessa corrente. Aos 72, escreve uma autobiografia, a ser lançada em 2012. Em seu apartamento, no Rio, recebeu a Folha. É de sua janela, que dá para a pedra da Gávea, que conta ter visto óvnis em ação.

Nunca acreditei que o mundo fosse obra do acaso. Sempre fui nas reuniões do Partido Comunista com cordão de são Jorge.

Mas, 22 anos atrás, um acidente de trabalho mudou a minha vida.

Por algum motivo, o efeito especial que estava no bolso superior do meu paletó explodiu em meu ouvido. Naquele momento, veio aquela coisa profissional e ainda concluí a cena.

Mas tive que conviver pelos três anos seguintes com um zumbido agudo persistente, angustiante, alto -dormia e acordava com ele.

Fiquei impossibilitado de trabalhar e, quando isso acontece, a gente entra em depressão. Mas, tenho que ser honesto, a Globo jamais deixou de me apoiar.

A CURA

Fiz vários exames, visitei as melhores clínicas, tentei de tudo, mas os médicos convencionais diziam na época que aquilo era irremediável e não tinha cura.

Até o dia em que visitei o Lar de Frei Luiz [casa que já acolheu artistas como Milton Nascimento, Tom Jobim e Elba Ramalho, entre outros], em Jacarepaguá, no Rio.

É um centro espírita que atualmente recebe 4.000 pessoas por semana e tem mais de mil médiuns, um educandário e um ambulatório. Tudo de graça, o que também me toca.

Comecei o tratamento espiritual, durante o qual vi coisas inacreditáveis, como as sessões de materialização, em que os espíritos aparecem como estamos conversando agora. E de branco, trazendo do plano astral equipamentos médicos que não existem na Terra -parecem laser. São espíritos médicos que já desencarnaram, como os doutores Bezerra de Menezes e Frederick von Stein.

A cura é engraçada. Sempre receitam homeopatia, rarissimamente alopatia.

Mas começa pelo teu espírito compreender aquela dor, que esse acidente pode ser consequência de algo que eu tenha feito em outras encarnações. Aí o quadro fica mais claro e aceitável.

Hoje meu ouvido não incomoda, aquele zumbido desapareceu, ouço bem.

Sou espírita sem ser fanático, tanto que leio Sartre, Camus, Cioran... Gosto deles, pelo ceticismo e até niilismo.

E respeito as outras religiões. Não vejo contradição em você louvar Yogananda [iogue guru indiano] e Nossa Senhora da Conceição.

EXTRATERRESTRES

O ser humano está em evolução, e quem o ajudou a fazer esse link foram as raças evoluídas, por que não extraterrestres. Creio absoluta e radicalmente na existência deles, assim como o Vaticano acredita.

A meu ver, quase todos os chefes de Estado já tiveram contato com alienígenas.

E não acho a resposta: se tantos fatos escandalosos são revelados à humanidade, como a corrupção no caso brasileiro ou o tsunami, por que as grandes potências não abrem para o público esses segredos extraterrestres?

DESCONFIADO

Abandonei a convicção marxista, que é uma utopia. Generosa, mas utopia.

E sempre desconfiei do PT, que foi criado pela ditadura militar para dividir a esquerda do país.

No meu livro ["Efeito Especial - Estilhaços Biográficos", que sai pela Ibis Libris em 2012], faço um paralelo [da esquerda brasileira atual] com a pessoa do [Karl] Marx.

Ele lia William Shakespeare para as filhas, era exilado de país em país, tinha furúnculos, teve uma filha fora do casamento com a babá de sua filha e principalmente morreu na miséria, ao contrário dos comunistas contemporâneos do Lula, que vivem em mansões em Brasília.

ARTISTAS EM ESPÍRITO

Há uma teoria de que todos os artistas são intuídos mediunicamente. Imagine Mozart com quatro anos tocando, se não tem algo espiritual intuindo e se não tem uma história de reencarnações pretéritas.

Mas, como ator, não sou de incorporar personagens, como alguns colegas.

No final das sessões de vidências, são citados os espíritos que compareceram.

Regularmente estão Dina Sfat, Jardel Filho, por incrível que pareça, Luís Carlos Prestes, Daniella Perez, Lauro Corona, Janete Clair, Procópio Ferreira.

Não sou vidente, sou médium intuitivo. Minha função é ler textos, poemas espiritualistas, tudo o que seja a favor da luz.

E é impressionante: quando não sigo a intuição, literalmente quebro a cara.

O espiritismo não é uma coisa nova. A primeira obra psicografada foi a tábua dos Dez Mandamentos.

Os passes são fundamentais: limpam sua aura. Na rua, no trabalho, você adquire cargas que os passes retiram.

Um psicanalista espírita me disse: "Se você não amar o próximo, pelo menos não o prejudique".

domingo, setembro 04, 2011

A PERSONALIDADE HUMANA NA COSMOVISÃO DE PIETRO UBALDI

A PERSONALIDADE HUMANA NA COSMOVISÃO DE PIETRO UBALDI
Estudo Apresentado por Flávio Mussa Tavares
No SEMINÁRIO PIETRO UBALDI realizado em Campos-RJ no dia 03 de setembro de 2011

O QUE É A PERSONALIDADE:
 É o conjunto de traços psíquicos relativamente estáveis que compõem as características individuais.
 Conjuga tendências inatas e experiências adquiridas.
 Segundo Mira y Lopez é constituído por:
 > constituição corporal
 > temperamento
 > caráter
Temperamento Sanguíneo Linfático Colérico Melancólico
Humor Sangue Linfa ou fleuma Bílis Atrabílis
Órgão Coração Cérebro Fígado Baço
Qualidades Quente Frio Seco Úmido
Elementos Terra Ar Fogo Água



CONCEITOS

 Constituição corporal: São as propriedades físicas e biológicas transmitidas geneticamente. Aparência, gestos, voz, estilo de expressão e movimento
 Temperamento: Particularidades psicológicas inatas. Astênicos, Ativos,
 Caráter: É a modulação do temperamento no meio familiar e sócio-cultural-econômico ao longo da vida.



MODELO OPERACIONAL

A Personalidade é formada na idade adulta, pois apenas aí há uma congruência dos fatores do temperamento com os do caráter.

Futuro

MÃE PAI

MEIO/PASSADO


ESQUEMA ANTROPOLÓGICO UBALDIANO

.Existência de Deus
. A Criação primordial
. O fenômeno da Queda
. A Lei de Evolução
. Pluralidade das Existências
. O homem vive entre a realidade de sua mortalidade e a nostalgia


A EVOLUÇÃO CONSISTE:
-Na necessidade de reconstrução da Personalidade Perdida.
-A personalidade então se manifesta em três zonas :
-A Subconsciência -A Consciência -A Superconsciência


A SUBCONSCIÊNCIA

 É o conjunto de fenômenos instintivos
 Está registrada nas estruturas cerebrais mais arcaicas , comuns aos animais.
 É constituída de automatismos formatados ao longo da evolução, desde os primitivos seres vivos até o homem bruto .
 A Psicologia humana muitas vezes confunde as ancestralidades subconscientes com a personalidade humana.
 A Besta

A SUBCONSCIÊNCIA
Augusto dos Anjos- Parnaso de Além Túmulo

Há ,sim, a inconsciência prodigiosa
Que guarda pequeninas ocorrências
De todas as vividas existências
Do Espírito que sofre, luta e goza

Ela é a registradora misteriosa
Do subjetivismo das essências,
Consciência de todas as consciências
For a de toda a sensação nervosa

Câmara da memória independente
Arquiva tudo rigorosamente
Sem massas cerebrais organizadas

Que o neurônio oblitera por momentos,
Mas que é o conjunto dos conhecimentos
De nossas vidas estratificadas
(Parnaso de Além Túmulo)



A CONSCIÊNCIA



É a zona da racionalidade
*É exclusivamente humana
*Está em formação.
•A consciência busca elementos do Subconsciente e reestratifica num nível mais alto, delimitando as arestas no lento processo de lapidação da personalidade instintiva localizada no subconsciente.

A SUPERCONSCIÊNCIA

 É o EU Superior
 É o nosso Projeto de ser
 É o nosso Darma
 A Superconsciência se forma lentamente com o “lavatório das palingenesias”
 A Superconsciência emprega a Intuição como ferramenta tão simples como o ser humano comum emprega a Razão e tão simples como o ser humano primitivo usa o Instinto.

ESPECTRO DA PERSONALIDADE






Espectro
Espectro da Personalidade. Em lilás, está o nosso instinto, que tem como sede o Subconsciente.
Em verde, está o Consciente, que é a parte conhecida de nossa Personalidade.
Em magenta, o nosso Superconsciente, o nosso projeto de vida para o futuro. É a Evolução Possível a Cada existência. É o Darma de cada vida.


NÍVEL DE VIDA NO SUBCONSCIENTE (Viver no “piloto automático”)
• Sobrevivência do indivíduo Caça , pesca, agricultura primitiva
• Sobrevivência da Espécie Sexo quantitativo
• : Estresse- LUTA e FUGA
NÍVEL DE VIDA CONSCIENTE (Viver na busca da Racionalidade)
• Melhores formas de sobrevivência do Indivíduo e da Sociedade: comercio, produção de alimentos, estrutura social complexa
• Sofisticação dos meios de sobrevivência da Espécie: sofisticação da sexualidade, reprodução assistida, técnicas de fertilização, clones
NÍVEL DE VIDA SUPERCONSCIENTE ( Aspirações Superiores do Ser)
• Uso do Pensamento Superior, Oração, Meditação, Consciência Plena do Aqui e Agora
• Sobrevivência como Ser Espiritual
• Sobrevivência da Sociedade do Reino de Deus na Terra


AS ÉTICAS POSSÍVEIS A CADA NÍVEL DE EVOLUÇÃO/DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE
1. VIDA COORDENADA PELO SUBCONSCIENTE:

Ética Possível:
• Os Dez Mandamentos
• A Ética da Proibição. Refreia os instintos com sofrimento
2. VIDA COORDENADA PELO CONSCIENTE RACIONAL

Ética Possível:

• A Fé raciocinada, A Esperança Raciocinada e a Caridade Raciocinada
• A Ética de acertar pela racionalidade. Resiste à instintividade com luta e sob conflitos.

3. VIDA DE ASPIRAÇÃO PELO SUPERCONSCIENTE

Ética Possível:

• O Sermão da Montanha
• A Ética do Evoluído. Que é capaz de perdoar e despojar-se de tudo sem necessidade de esforço pessoal. O seu instinto é a FÉ, a ESPERANÇA e o AMOR.






sábado, maio 21, 2011

MARIA DE BETÂNIA




Ler algumas páginas sobre Maria de Betânia foi uma surpresa muito feliz.

Acho mesmo que Maria de Betânia pode ser uma das grandes esquecidas ou injustiçadas de O Novo Testamento, recordada principalmente a partir do evento em que é elogiada por Jesus após o queixume de sua irmã. Todavia, marcada por este episódio, ocorreu um efeito que me parece reverso e contraproducente. A maioria das mulheres religiosas de nosso século, hiperativas e sem atenção, passou a preferir o arquétipo de Marta. Assumiu-se que Marta era como uma “formiga” e que Maria, pejorativamente, seria como uma “cigarra”. Ou em outras comparações, que Marta era como uma freira de vida Ativa e Maria, Contemplativa, sempre emprestando para a contemplação uma conotação de certa indolência e languidez. Eu mesmo iniciei este estudo, influenciado por este olhar.

Buscando os momentos em que o Novo Testamento registra os encontros de Maria de Betânia com Jesus, encontrei relatos de três situações, narradas, uma delas no Evangelho de Lucas e as outras, nos Evangelhos de Mateus, Marcos e João.

A narrativa de Lucas, capítulo 10, versos 38 a 42 é a seguinte:

‘Aconteceu que, indo eles de caminho, entrou Jesus numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa; E tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Marta, porém andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude. E respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada.”

Este episódio é a referência mais conhecida e comentada a respeito de Maria de Betânia. Aí está a informação de que Betânia era um pouso para Jesus. Tratava-se de um refúgio, lugar para onde se dirigiu em situações especialmente graves em sua vida. E também o local onde se deu o seu feito mais espetacular, a ressurreição de Lázaro, fato que levou à sua prisão e morte.

Aldeia pequena, Betânia erguia-se em paisagem bucólica, localizada no sopé do lado oriental do Monte das Oliveiras. Este monte é parte de uma pequena cadeia de montanhas composta de três picos, cuja altura média é de 800 metros do nível do mar. A elevação é cercada, ou era à época de Jesus, por uma plantação de oliveiras. A vegetação verdejante, o clima aprazível e a paz do local. Distava poucos quilômetros de Jerusalém e era um local onde Jesus costumava orar. Ali os discípulos reuniram-se com Jesus após a última ceia e ali também se deu o fenômeno da Ascenção, descrita no Evangelho de Lucas, capítulo 24, versos 50 e 51. Recebido por Marta, segundo o texto, que parece indicar que era a mais velha, Jesus pôs-se a falar. Sobre o que falava Jesus? O tema era importante o bastante para fazer com que Maria permanecesse aos seus pés, absorta nas palavras e envolvida pela aura enternecedora e surpreendente do Mestre. A anfitriã, ao contrário, continuou envolvida com os afazeres domésticos, perfeitamente compreensíveis e razoáveis. Entretanto, ao dispor-se a renunciar às palavras de Jesus em função do labor doméstico, Marta achou-se injustiçada e tentou ganhar a aprovação do Mestre ao seu justo pleito. Senhor, não é justo que minha irmã se deleite com os seus ensinos enquanto eu trabalhe sozinha. Diga a ela para me ajudar. Quantas pessoas, em especial, as mulheres, são vítimas da pseudo-verdade deste arrazoado! E digo em especial as mulheres por que são vitimas das suas alterações hormonais, que as tornam em épocas especiais, hiperativas, desatentas, irritadas em sem paciência. Talvez tenha sido por isso que Jesus deixou este ensino dirigido `a Marta e às Martas de todos os tempos. Mas é óbvio que são conceitos absolutamente pertinentes aos homens que também apresentam-se com temperamentos ativos ou contemplativos. Até mesmo em nossas instituições espíritas escutamos coisas do tipo: “Alguns vêm aqui apenas para ouvir, nós é que ficamos com o trabalho”; “Evangelho é trabalho, não é ficar sentado, fresquinho, assistindo palestra, participando de estudos”, “Ouvir o Evangelho é muito fácil, quero ver quem vem colocar a mão na massa”. Estas pessoas estão, a seu turno, repetindo a queixa de Marta, que ademais buscou o apoio de Jesus. Quem sabe, pensou ela, Jesus dissesse: “Sim, Maria, vá ajudar a sua irmã” ou “Maria, você não deveria estar assim lânguida aos meus pés, veja o exemplo de Marta, que é uma trabalhadora incansável”’ .

Todavia, a resposta sábia e bondosa de Jesus é viva até nossos dias e ecoa ainda nos tímpanos espirituais de quantos se vêm na agitação e nas urgências da vida moderna. Marta, Marta, você está ansiosa, estressada por uma quantidade enorme de motivos. Tantos que as vezes você nem sabe a causa de sua dor de cabeça, de sua taquicardia, de dos seus tremores, de sua insônia, do seu despertar precoce e enfadonho. Contudo, muito pouco ou até mesmo apenas uma coisa é necessária. E a sua irmã, que aparentemente está em passividade ou indolência, optou pela melhor parte, a que nunca passa, a que permanece.

Este é o primeiro exemplo de Maria, permanecer em paz, aos pés de Jesus, mesmo nos momentos de tormenta exterior. Colocar aos pés de Jesus, suas angústias, seu medo, suas dúvidas, escutando, sem nada dizer, as palavras imorredouras do mestre. Palavras que muito bem podem ser as do Sermão do Monte: Felizes os pacificadores, Felizes os que choram, os que têm o coração livre de sentimentos maus, os que são simples, os que sofrem pela justiça, os que são perseguidos pelo meu nome. Como nos diz Clóvis Tavares, meu Pai em seu inolvidável De Jesus para os que Sofrem: “ Procuro mais e mais- e é tão difícil, Senhor- ouvir-Te no Sermão da Montanha...”

Como entender o sentido prático desta admoestação do Senhor? Há momentos para tudo e jamais podemos suplantar as nossas necessidades espirituais com a Ação. Existe o tempo de agir e o tempo de apreender o Testamento de Jesus. Existem as necessidades que nos exortam ao movimento dos músculos, mas, sobretudo, existe a nossa necessidade de transcendência, que é a mais alta e a mais esquecida necessidade humana. Em O Livro dos Espíritos, a Lei de Adoração figura como a primeira expressão da Lei Natural. Portanto, aos Teus pés, Senhor, nossos problemas e nossas dúvidas, nossos temores e nossas aflições, nossa pressa e nossa impulsividade.

***

O segundo momento que anotamos é justamente aquele da Ressurreição de Lázaro, irmão de Maria e Marta. Elas sabiam que Jesus, que havia saído de Jerusalém, ainda encontrava-se próximo. Vendo a gravidade da enfermidade de Lázaro, sabendo também da amizade de Jesus a seu irmão, enviaram um mensageiro dando notícias da urgência de sua vinda à Betânia. Jesus, porém, demora ainda dois dias para dirigir-se à aldeia aos pés do Monte das Oliveiras. Diz o texto:

“Estava, porém, enfermo um certo Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta. E Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com ungüento, e lhe tinha enxugado os pés com os seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava enfermo. Mandaram-lhe, pois, suas irmãs dizer: Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas. E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela. Ora, Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. Ouvindo, pois, que estava enfermo, ficou ainda dois dias no lugar onde estava. Depois disto, disse aos seus discípulos: Vamos outra vez para a Judéia. Disseram-lhe os discípulos: Rabi, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e tornas para lá? Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; Mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz. Assim falou; e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono. Disseram, pois, os seus discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo. Mas Jesus dizia isto da sua morte; eles, porém, cuidavam que falava do repouso do sono. Então Jesus disse-lhes claramente: Lázaro está morto; E folgo, por amor de vós, de que eu lá não estivesse, para que acrediteis; mas vamos ter com ele. Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos condiscípulos: Vamos nós também, para morrermos com ele. Chegando, pois, Jesus, achou que já havia quatro dias que estava na sepultura. (Ora Betânia distava de Jerusalém quase quinze estádios.) E muitos dos judeus tinham ido consolar a Marta e a Maria, acerca de seu irmão. Ouvindo, pois, Marta que Jesus vinha, saiu-lhe ao encontro; Maria, porém, ficou assentada em casa. Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá. Disse-lhe Jesus: Teu irmão há de ressuscitar.Disse-lhe Marta: Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia.Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto? Disse-lhe ela: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo. E, dito isto, partiu, e chamou em segredo a Maria, sua irmã, dizendo: O Mestre está cá, e chama-te. Ela, ouvindo isto, levantou-se logo, e foi ter com ele. (Ainda Jesus não tinha chegado à aldeia, mas estava no lugar onde Marta o encontrara.) Vendo, pois, os judeus, que estavam com ela em casa e a consolavam, que Maria apressadamente se levantara e saíra, seguiram-na, dizendo: Vai ao sepulcro para chorar ali. Tendo, pois, Maria chegado aonde Jesus estava, e vendo-o, lançou-se aos seus pés, dizendo-lhe: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Jesus pois, quando a viu chorar, e também chorando os judeus que com ela vinham, moveu-se muito em espírito, e perturbou-se. E disse: Onde o pusestes? Disseram-lhe: Senhor, vem, e vê. Jesus chorou. Disseram, pois, os judeus: Vede como o amava. E alguns deles disseram: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também com que este não morresse? [...}”

Riquíssimo de elementos este longo texto do Evangelho de João. Tomaremos apenas as referências a Maria. Este é o momento da Dor, da Perda, do Luto, da Prova. Aqui vemos uma Maria que não teve a mesma força que sua irmã, de ir de imediato ao encontro de Jesus, quando soube, com sua irmã, que Ele aproximava-se da cidade. Enquanto Marta levantou-se e foi ao encontro de Jesus, Maria ficou em casa e mal podia levantar a cabeça. Estava cercada de seus concidadãos, que choravam junto com ela a irreparável perda do mercador de perfumes, amigo de todos que era Lázaro. Mas Marta retorna e pede que ela tenha forças e vá ao encontro de Jesus. Esta também é uma situação comum. Quantas vezes somos deparados com um turbilhão de perdas, de luto, de angústias inenarráveis, de dramas humanos que nos tiram a força de ir ao encontro de Jesus. Mas Maria de Betânia, mesmo arrasada em suas energias interiores, o convite da à sugestão da irmã, mais dinâmica, mas corajosa, mais ativa. E buscou força nas riquezas escondidas de que nos fala Clóvis Tavares no De Jesus para os que Sofrem, referindo-se ao grande cristão indiano Sundar Singh: “Quando carregamos a cruz e sofremos, as riquezas ocultas de nossas almas vem à luz [...] e põem em atividade poderes ocultos de nossas almas.”

E foi justamente buscando essas potências do espírito, que emergem nos vórtices das dores, que Maria levantou-se e foi ter com Jesus. Ali mais uma vez coloca-se aos pés do Mestre e a sua dor comove Jesus. Diz o texto: Jesus moveu-se em espírito e perturbou-se. E logo depois o menor versículo da Bíblia: Jesus chorou. Desse modo, Maria suscitou a empatia de Jesus com a sua aflição e foi consolada. Depôs aos pés do mestre a dor da perda, o sentimento do luto, a perplexidade do momento da separação inesperada do irmão amado, a dúvida sobre o seu futuro, a saudade, a mágoa da solidão, as lágrimas...

***

O terceiro momento em que anotamos um encontro de Jesus com Maria de Betânia é na casa de Simão, o leproso, texto narrado por Mateus, Marcos e João. Neste caso, Lucas não se refere a este episódio, embora exista a narrativa de uma mulher adúltera que também derrama perfume aos pés de Jesus e enxuga com os seus cabelos, também na casa de um fariseu chamado Simão. Entretanto isso ocorre muito antes da última Páscoa e certamente é outro episódio. Lembro-me sempre de como termina João o relato de seu Evangelho: “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem.” Eis o texto de João:

Foi, pois, Jesus seis dias antes da páscoa a Betânia, onde estava Lázaro, o que falecera, e a quem ressuscitara dentre os mortos.Fizeram-lhe, pois, ali uma ceia, e Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele. Então Maria, tomando um arrátel de ungüento de nardo puro, de muito preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do ungüento. Então, um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse: Por que não se vendeu este ungüento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres? Ora, ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava. Disse, pois, Jesus: Deixai-a; para o dia da minha sepultura guardou isto; Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes.

Aqui vê-se mais uma vez os padrões de comportamento. Marta está a servir o jantar. Então é realmente o perfil psicológico de Marta. Ela era ativa, gostava de ajudar, de servir, de estar na linha de frente. Maria nesse dia, aproximava-se a Páscoa, estava inebriada da estranhável emoção da possível perda de Jesus. Algo a fez compenetrar-se na figura excelsa do seu Mestre e querer permanecer perto d’Ele. Desta vez Marta não ousou queixar-se. Estar na proximidade de Jesus devia ser uma sensação de um grande êxtase, para aqueles que o aproveitavam. Publius Lentulus, com todo o seu orgulho patrício, caiu por terra diante do encontro pessoal com Jesus às margens do Tiberíades. O soldado que o foi prender titubeou ao fitar o olhar de Jesus.

Eu me recordo que no ano de 1967, recebemos a inesquecível visita de Chico Xavier em nossa casa. Lá, ele permaneceu dez longos dias, que são infinitamente extensos em nossa memória. E creio que Papai bem poderia terminar o Trinta Anos com Chico Xavier, parafraseando o apóstolo João. Chico Xavier fez e disse muito mais do que está narrado neste livro. E se fosse possível relatar tudo, creio que nem mesmo o mundo caberia os livros que se escrevessem.

Eu me recordo que o Chico gostava de banhar-se longe do burburinho das praias principais de Atafona. Ele tomava banho de camisa, por causa das lesões cicatriciais que trazia no abdome. Papai e Mamãe não tinham carro e um amigo que não era espírita, ofereceu-se para levar-nos em uma camionete para uma praia afastada chamada Coréia, próxima da Marinha, em Atafona, à época uma praia deserta. Quando Chico, após um banho de mar, que todo mineiro anseia por tomar, sentava-se na praia e punha-se a conversar com Papai, o amigo escutava calado. E por alguns dias, escutou atentamente, aos pés de Chico, as sábias palavras que emanavam da boca daquele apóstolo de Jesus. Acontece que este amigo tinha um problema. Ele era inimigo de uma mulher, que fora esposa de seu irmão morto. Ele não mantinha nenhum contato com ela e nem com os seus filhos. Ele era um rico empresário. Ela, uma viúva pensionista que mal podia alimentar os pequenos órfãos, seus sobrinhos. Ele estava distante da cunhada e dos sobrinhos havia alguns anos e não se importava com as notícias que lhe traziam a respeito de doenças, da fome, das carências as mais diversas, pois julgava que não podia ajudar uma inimiga. Chico nunca soube desse fato, que apenas meu Pai conhecia. Entretanto, após a partida de Chico, sem que ninguém tocasse neste assunto com o nosso amigo, ele mudou totalmente a sua atitude. Procurou a cunhada e perdoou-a. Reformou a sua casa, deu-lhe um emprego em sua empresa, colocou os meninos em boas escolas. Alguns anos mais tarde custeou os estudos de um nos Estados Unidos e pagou integralmente a Faculdade de Medicina para o outro. Quem fez este milagre? Chico Xavier? Ele jamais soube disso. Foi a proximidade com a sua aura de amor. Foi o fato de nosso amigo ter-se colocado aos pés dele.

Maria de Betânia estava aflita, pois pressentia o momento final de Jesus. Queria aproveitar todos os momentos aos seus pés. Mas dessa oportunidade, ela não procurou Jesus para deitar aos seus pés as suas ansiedades e seus medos e nem tampouco o procurou para prostrar-se num momento de dor e de saudade. Ela foi até Jesus para aos seus pés, mais uma vez, demonstrar o seu amor em forma de um gesto de humildade e de devoção. O óleo aromático de Nardo era caríssimo. Cerca de 300 mililitros que valiam o equivalente a 300 denários, ou seja, 300 diárias dos trabalhadores do campo. Quase um ano de trabalho de um lavrador. Ela não se importou. Não se importou também com o murmurinho que fez Judas e segundo o Evangelho de Mateus, fizeram também os outros discípulos, influenciados pela indignação de Judas. Afinal, como gastar tanto para prestar uma reverência a Jesus? Mas Jesus afirmou que Ele estava sendo ungido antecipadamente para a morte e que o gesto de Maria de Betânia nunca seria esquecido.

Estamos diante de uma mulher que se fez arquétipo da humildade. Sempre prostrada aos pés de Jesus, ela representou num primeiro momento a pessoa que deposita aos pés de Jesus as suas humanas incertezas. Nós também podemos usar os textos do Novo Testamento para depositarmos aos pés de Cristo, nossas necessidades.Precisamos disciplinar-nos para que nossas dificuldades se desvaneçam aos pés de Jesus.

Meu Pai ensinou-nos em casa a abrir o Evangelho três vezes após uma oração, sempre que estivéssemos diante de um dilema moral. Que fazer? Como adequar a nossa conduta à vontade de Deus? E se a necessidade de sobrevivência nos constranger a contrariar a nossa consciência? Fazer uma oração e depositar aos pés de Jesus as nossas incertezas humanas. Ele nos falará através dos nossos olhos de ver e de nossos ouvidos de ouvir. É só abrir o coração e colocar-se aos Seus pés.

Maria num segundo momento, mais uma vez depôs aos pés de seu Mestre, a sua máxima dor, recebendo um consolo muito maior do que poderia supor.

Todos nós temos de passar perdas na vida. As perdas são necessárias para construção de nosso caráter. O malho e o fogo forjam o ferro na oficina divina. As perdas fazem parte da estratégia do Criador para desenvolver nas criaturas o sentimento. E nessas horas, depositar aos pés do Mestre nossas dores, mesmo que estejamos frágeis, é nossa atitude mais inteligente.

E num terceiro momento, Maria, num momento místico de devoção, de transcendência, novamente aos pés de seu Rabi, depõe a sua adoração. São os momentos em que nós precisamos ficar sozinhos e orar a Jesus, conversar com Ele, chorar com
Ele, agradecer a ele ou simplesmente dizer e dizer que O amamos. Pedro precisou reafirmar isso três vezes. Quantas vezes necessitamos afirmar a Jesus que O amamos.

Em lugar da atribulação, a pacificação.

Em lugar do estresse, a entrega, da dúvida, a certeza.

Ao invés do medo, a confiança, da pressa, a calma, da impulsividade, a ponderação.

E quando nos sobrevier a razão pura, buscar a intuição. Quando os argumentos da materialidade falarem mais forte, busquemos a espiritualidade.

Desse modo, a inteligência se desenvolverá. Passaremos da inteligência da lógica para a inteligência espiritual. Só assim descobriremos que pessoas que depositam aos pés do Cristo todas as suas emoções, todos os seus sofrimentos, toda a sua adoração, são portadoras de uma inteligência muito mais sofisticada e produtiva.

Maria de Betânia é realmente uma esquecida, uma injustiçada. A ela devemos a exemplificação de que é sempre possível, principalmente nos momentos mais graves de nossas vidas, diante de dilemas morais, diante de perdas aparentemente irreparáveis, diante de todas as situações limite de nossas resistências físicas, quando formos visitados pelo desânimo, pela amargura, pelas decepções, pela injúria, pela calúnia, pela ingratidão, pelas incompreensões dos mais amados, pela vontade de desistir, pelo desencanto com a vida, pela desesperança a respeito do futuro. Em todas estas situações, Deus nos enviará um irmão mais forte, à maneira de Marta, chamando-nos para ir ao encontro de Jesus, como Maria o fez na morte de Lázaro.

Em todas estas situações nós poderemos lançar mão das palavras de Jesus que podem soar e ferir nossos sentidos espirituais. E sempre aos pés de Jesus, poderemos converter todas as aflições, todas as dores e todos os necessários momentos de transcendência numa atitude de prostração aos pés de Jesus.

Flávio Mussa Tavares

quinta-feira, abril 14, 2011

Tradutor do Novo Testamento em Campos



Patrícia Bueno*



O pesquisador mineiro Haroldo Dutra Dias, linguista especializado nos idiomas grego e hebraico, estará em Campos neste final de semana.




Ele vai apresentar, na Escola Jesus Cristo, na Lapa , o Seminário Paulo e Estevão, que já foi apresentado na Federação Espírita Brasileira e gravado em DVD.




Seguidor da doutrina codificada por Allan Kardec desde os 15 anos, Haroldo estuda os evangelhos há 22.



Ele traduziu o Novo Testamento do grego, e atualmente se dedica à tradução das Cartas de Paulo, do grego e latim.


O Seminário Paulo e Estevão é gratuito e acontece em três módulos.



No sábado (16), das 9h ao meio-dia e depois, das 14h às 18h.


O terceiro módulo será no domingo, de 9h até meio-dia.



A Escola Jesus Cristo fica na Rua dos Goytacazes, 177 – Lapa.


*Patrícia Bueno é Jornalista e colaboradora deste blog.

sábado, março 26, 2011

O DOM DE ETERNIZAR BONS EXEMPLOS- Patrícia Bueno

Conheci o cineasta Oceano Vieira de Melo há alguns anos, em uma de suas visitas a Campos. Lembro-me como se fosse hoje. Foi numa tarde de sexta-feira na Escola Jesus Cristo, na Lapa. Minha missão era entrevistá-lo para uma das edições do centenário Monitor Campista. Numa sala modesta, com clima de passado, paredes claras, salpicadas de velhos retratos emoldurados, o proprietário da Versátil Home Vídeo falou com orgulho sobre sua relação com Chico Xavier. Acomodado em um sofá antigo, deu detalhes sobre o trabalho que acabara de lançar: mais um de seus preciosos registros sobre Chico, o que me rendeu uma página inteira de matéria no Caderno 2.
E foi colhendo depoimentos para mais um documentário sobre o médium mais famoso do Brasil, que Oceano voltou suas atenções para outra grande personalidade do Espiritismo: o filósofo italiano Pietro Ubaldi. “Tinha descoberto o filme de um pesquisador chamado César Burnier, e esse filme tinha o Chico recebendo o Pietro Ubaldi em Pedro Leopoldo. Aí quis saber quem era esse Pietro Ubaldi, ou seja, eu já tinha ouvido falar nele, mas não tinha muita informação. Quando li a sinopse sobre a vida dele, achei extraordinária e falei: isso aqui dá um documentário maravilhoso. Um homem milionário, que abandonou tudo pra viver uma vida franciscana e que de repente descobre uma mediunidade rara. Sua história é fascinante”, relembra, desta vez no hall do hotel onde ficou hospedado, no Centro de Campos.
Assim como os intelectuais espíritas que, percebendo a magnitude da obra de Ubaldi, o convidaram pra vir para o Brasil, isso em 1952, Oceano tratou logo de eternizar sua história em um documentário de longa-metragem. A obra, que chamou de “A Grande Síntese de Pietro Ubaldi”, foi lançada em Campos no último dia 12 de março. A exibição para os campistas tem um motivo especial, aliás, dois: Campos foi a primeira parada do pensador italiano quando veio para o Brasil. Foi o lugar onde descansou depois de uma exaustiva viagem de navio. “Campos é uma cidade que tem a cultura espírita muito enraizada. Sou pesquisador e tenho publicações, em francês, do final do século XIX, que já registram grupos espíritas aqui na cidade”, observa Oceano.
O outro motivo foi sua amizade com professor Clóvis Tavares, fundador da Escola Jesus Cristo, que tomou conhecimento de suas teorias através das publicações na Revista Reformador, do Rio de Janeiro. “O Clóvis Tavares aprendeu italiano para se corresponder com ele, por cartas”, ressalta o cineasta alagoano, que, além dos documentários espíritas, lançados pela Versátil Vídeo Spirite, se dedica normalmente a filmes de arte, biográficos, culturais e humanistas.
Ao sentir que tinha em mãos ingredientes para mais uma de suas proezas de transformar biografias em arte, tratou de garimpar informações, colher depoimentos de amigos e familiares, inclusive parentes do amigo Clóvis Tavares (a viúva, Hilda, e o filho, Flávio), que moram em Campos. A equipe viajou para a Itália para capturar imagens e declarações importantes e, em setembro de 2009 o trabalho estava concluído. O resultado pôde ser apreciado na 33a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A Grande Síntese de Pietro Ubaldi, com narração de Paulo Goulart, foi exibido durante 12 dias junto com 432 filmes do mundo inteiro, ganhando grande visibilidade.
A obra reveladora do pensador universalista cristão, composta por 24 livros, também seduziu o roteirista Jorge Damas Martins, outro que esteve em Campos para o lançamento. Sentar para conversar com Damas sobre Pietro Ubaldi é se preparar para uma verdadeira aula de história. Aliás, difícil não se empolgar com a biografia e com uma obra que reúne temas instigantes como reencarnação, evolução espiritual, vida depois da morte e mediunidade. O que dizer de uma obra que mereceu elogios de intelectuais da envergadura de Albert Einstein?
No hall do hotel, o roteirista tentou resumir a extensa biografia de Ubaldi, desde seu nascimento, em 18 de Agosto de 1886, na cidade de Foligno - a 18km de Assis, cidade natal de S. Francisco de Assis - até sua morte, em fevereiro de 1972, passando por sua viagem ao Brasil, quando foi morar em São Vicente (marco da civilização brasileira) e as principais características de sua extensa obra. “O professor Pietro Ubaldi escreveu 24 livros, sendo 10 na Itália e 14 no Brasil. Ele é um filósofo espiritualista. Escrevia obras de conceitos os mais variados, onde abordava química, física, política, sociologia, espiritualidade, religiosidade, reencarnação. Então, é uma obra muito ampla. Mas que tem conceito, um eixo central, que é a evolução. Ele mostra na sua obra que tudo está em evolução. Ele amplia, basicamente, o conceito de Darwin”, esclarece.
BERÇO DE OURO - Damas falou sobre sua origem nobre e sobre sua renúncia para tentar unir ciência e espírito. “Ele nasceu na Itália, num berço muito rico. Nasceu e foi criado num palácio. Sua mãe era condessa. Só para você ter uma idéia, o palácio tinha 86 quartos. Mas ele sempre se incomodava com isso. Desde pequeno tinha visões espirituais, pensava muito em Cristo, no Evangelho. Mas ele não conseguia na família ter esclarecimento sobre isso. Ele falava com os empregados, mas eles só tinham uma visão mística, de fantasmas, não tinham esclarecimentos científicos. Então, ele teve que ficar quieto, ruminar essas coisas dentro dele e criar um espaço interior para transformar em laboratório. Transformou sua mente em laboratório”, relata.
Depois do casamento, em 1912, Pietro Ubaldi viu-se obrigado a administrar 12 fazendas. “Imagine: ele pensando na espiritualidade, e tendo que administrar fazendas. O sofrimento foi muito grande. Ele não conseguia se realizar com aquilo. Então resolveu doar o que lhe pertencia à família e viver de seu salário. Queria saber se o Evangelho dava certo”, diz o roteirista, lembrando que, com a decisão, ele fez concurso público para professor de inglês, preenchendo a única vaga disponível. “Ele dividia seu salário de professor em três partes: uma para pagar o quarto dele e viver com dignidade, outra pra caridade, e a outra pra fazer a divulgação das ideias que ele já estava escrevendo. E assim ele passou a vida. E assim ele passou 20 anos e escreveu o seu livro mais famoso, A Grande Síntese”.
A obra já nasceu fadada ao sucesso. Revistas do mundo inteiro reproduziram seus textos, que começaram a ser escritos em 1931. No Brasil, em 39, eles podiam ser lidos na Revista Reformador e no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Na época, Chico Xavier, que começou a sua produção em 31, foi chamado para prefaciar a obra sem ao menos conhecer o autor, que se tornara conhecido no mundo inteiro. “O grande cientista Ernesto Bozzano, maior nome da literatura psíquica do mundo, dizia que trata-se da maior obra de cunho científico que uma mente já captou em termos espirituais”, ressalta Jorge Damas.
Quando, em 1952 ele veio para o Brasil, já estava aposentado. Veio com a filha, duas netas e a esposa. Bajulado por políticos da época, por seu grande prestígio, todos o queriam em seus palanques. Dizer não a essa situação custou caro para Ubaldi, que logo depois recebeu uma ordem de despejo, tendo que cuidar da mulher doente e sustentar também a filha e as duas netas. Mas, quando a situação estava ficando insuportável, recebeu um presente de um admirador, que preferiu manter o anonimato: um cheque no valor de 900 mil. “Em frente à rua em que ele morava tinha um apartamento à venda. Tinha um terraço e um quartinho à parte e para ir a esse quartinho, que era o local onde ele iria escrever, era preciso subir uma escada em espiral, que dava a ideia de evolução. Neste apartamento, que ficava num prédio chamado Nova Era, ele ficou sossegado, até 1971, quando terminou sua obra”, diz.
Os livros que compõem A Grande Síntese começaram a ser escritos no Natal de 31 e tiveram seu ponto final no Natal de 71, sob o título de Cristo. “Logo depois ele se prepara pra morrer. Dia 29 de fevereiro de 72 ele vem a falecer. Como a vida dele era um laboratório, ele queria fazer da morte um laboratório, fazendo dela a mais produtiva possível. Ele teve uma doença no sistema respiratório e precisou ser internado. No hospital, recebia a visita de uma psicóloga que o entrevistava. Depois do banho, que é quando ele se sentia revigorado, ela gravava seu depoimento. Nascia então um livreto chamado Visão do Além”, conta o roteirista, ressaltando que uma das grandes conclusões de seu trabalho é a de que para tudo existe uma lei que comanda. “Está tudo divinamente controlado”.
Ubaldi dizia que era o Brasil o país escolhido para a terceira grande revolução da humanidade. A primeira teria sido a da França, por ideais de democracia, A segunda, a Revolução Bolcheviques, com ênfase na justiça social, mas ambas foram feitas com guerra. A terceira, diz a profecia do pensador, será a Revolução da Ética e terá seu epicentro no Brasil, com seu povo jovem, bem disposto, fraterno e criativo. Pietro Ubaldi tinha tanta ligação com o Brasil, que, quando concluiu a faculdade, sua tese, de 266 páginas, foi sobre a imigração italiana no país, sem nunca ter pisado terras brasileiras. Estranho? Não para ele, que definia muito bem esse tipo de coincidência: “o acaso é o pseudônimo de Deus quando Ele não quer assinar”.