sábado, junho 30, 2007

CIRO, DE ÉFESO

Flávio Mussa Tavares


É preciso que se declare aqui que um estudo como este da vida de Ciro, o bem-amado de Célia Lúcius, é possível por que Emmanuel legou-nos o livro "50 Anos Depois". E a nossa querida Wanda Joviano, abriu mão da particularidade das mensagens psicografadas pelo nosso Chico Xavier no Culto do Lar de sua família e emprestou ao público espírita estas duas jóias psicografadas: "Sementeira de Luz", de Néio Lúcio, avô de Célia, e "Deus Conosco", de Emmanuel, que é Nestório, preceptor doméstico das jovens Helvídia e Célia Lúcius, em Roma. Aceitemos, pois esta oferta advinda da generosidade de nossa amiga Wanda, por oferecer para proveito de todos, algo que por direito humano só a ela pertencia, mas que por direito espiritual, reconhece ela, que deve ser conhecido por todo o público que leu e amou "Há Dois Mil Anos", "50 Anos Depois" e "Renúncia". Esta literatura complementar, emoldura os romances de Emmanuel com finas jóias de inestimável valor espiritual.

A primeira vez que li o romance "50 Anos Depois", era um adolescente de Mocidade Espírita, o fiz em 5 dias. Li a série Emmanuel em 5 semanas e aos domingos na minha freqüência natural à Escola Jesus Cristo, em Campos, discutia os pontos mais destacados com os amigos que já haviam também feito estas abençoadas leituras .
Não é novidade alguma relatar a impressão que causa à nossa personalidade o estudo da vida de Célia Lúcius, mas é-me forçoso admitir que a figura do jovem escravo de Éfeso sempre causou-me uma grave comoção no espírito. A esta época era um segredo a revelação de que Ciro era o mesmo Carlos Clenaghan, das páginas de "Renúncia", do mesmo autor. Quem poderia aceitar que o jovem Ciro, sincero e leal a Jesus, converter-se-ia no duro e tirânico inquisidor Clenaghan? E assim, para evitar más interpretações a respeito da questão da retrogradação espiritual, que segundo a codificação é impossível, por muitas décadas ocultou-se esta revelação.

Oportunamente neste texto, ensaiaremos uma hipótese da explicação doutrinária para a aparente queda espiritual de nosso protagonista.



Reconheço que a curta existência de Ciro foi marcada por fortes acontecimentos que profundamente lhe forjaram um espírito estóico e digno.
Criado na Éfeso do apóstolo João, era filho de Nestório, que por sua vez foi discípulo de Johanes que foi discípulo direto de João Evangelista. Bebeu o Evangelho na fonte mais cristalina possível e provavelmente recebeu o afago do Johanes e outros que conheceram diretamente João. Na adolescência é afastado da convivência paterna, após tornar-se órfão de mãe. Permaneceu muito tempo na Índia, onde seus senhores permitiam-lhe os estudos e a leitura farta. Aprendeu o sânscrito e conheceu as leituras do Upanishads. Envolveu-se com a cultura védica e ficou apaixonado pela sua Filosofia natural. Associando os conhecimentos cristãos à educação da alma subordinando os instintos. Aprendeu a idéia das vidas sucessivas e compreendeu o por quê dos insucessos de sua vida presente. Sabia-se ele mesmo, um déspota do passado longínquo.
Retornando à Palestina, passa a servir ao tribuno Helvídio Lúcius. Já no segundo dia , em razão de sues conhecimentos de navegação adquiridos no oriente, é convidado a levar a família Lúcius a um passeio por um lago da cidade de Esmirna. Ciro tinha então cerca de 20 anos. Durante o passeio, disse Célia ao seu avô Néio Lúcius, em conversa particular:

"De vez em quando, Ciro me dirigia o olhar
lúcido e calmo, que me produzia uma emoção cada vez mais intensa e indefinível."

Conta Célia que num momento que não sabe explicar como e nem por quê, ela cai do barco nas profundidades do lago, que era lodoso e por si própria não tem forças para retornar à superfície. Nesta hora, sente-se segura pelos braços de alguém, como ela mesmo conta:

"Era Ciro que me salvara da morte, com o seu espírito de sacrifício e lealdade, conquistando com esse ato espontâneo a gratidão sem limites de meu pai, e de todos nós um reconhecimento carinhoso e sincero . No dia imediato, meu pai concedeu-lhe a liberdade, muito comovido pelos sucessos da véspera."

A parir de então, Célia passa a palestrar diariamente com Ciro, pelos jardins de sua mansão. Nestas conversas, Ciro lhe falou de Jesus, da Índia e das crenças daquele povo na reencarnação. Disse o que aprendera na literatura védica e as suas conclusões pessoais a respeito das conexões das teorias do karma e da transmigração das almas com o Evangelho de Jesus. Explica, assim a ela, várias passagens das escrituras cristãs, sob a ótica reencarnacionista, secundado pela filosofia hindu. Quando por um momento pensavam em formar uma família feliz na terra, Ciro a lembrava que a sociedade de então era absolutamente intolerante e preconceituosa para admitir o amor de um plebeu e de uma aristocrata. Além disso, ensinou a Célia que a verdadeira vida é a vida eterna prometida por Jesus e que buscar uma felicidade terrena poderia ser a maneira de perder a própria vida.

Este colóquio perdurou por um ano e isso nos permite uma digressão importante. Como entender que duas almas de tal forma sintonizadas pelo mais puro sentimento pudessem suportar a absoluta ausência de contato físico que consumasse de alguma forma humana a extremada emoção que lhes transbordava do ser? Célia confessou ao seu avô, em um diálogo de duas almas de mesma idade espiritual, que a única vez que um ensaio de carícia ocorreu, foi quando por um minuto as mãos de Ciro tocaram os seus cabelos, mas súbito percebeu que era improvável qualquer tentativa de aproximação e a renúncia seria a atitude mais sensata. A lisura do caráter de Ciro fez-se notar sobremaneira por sua temperança e paciência, por sua humildade e autocontrole, que certamente desenvolveu em sua estadia no país de Ganges onde as práticas de exercício de subordinação das emoções à razão são milenares e assinalam uma grande vantagem da cultura oriental que aprende quando quer a educar os instintos.


Entretanto, um outro servo, chamado Pausânias, destes medíocres, que tornam-se intrigadores e bajuladores, como se a destruição de alguém fosse necessária para a sua própria felicidade, observou as repetidas conversas entre ambos e maliciosamente contou a Helvídio. Este pôs Ciro atado a um tronco e deixou-lhe aos cuidados carrascais de Pausânias, que lhe aplicou por dois dias cruéis chibatadas. No entanto, Ciro não odiou o seu senhor, pois em conversa rápida que pode ter com Célia, ainda atado ao tronco, pediu para que ela não se revoltasse com seu Pai, pois todos devemos aos nossos progenitores um dever diante de Deus, enumerado entre os dez mandamentos recebidos por Moisés, falava com um verdadeiro judeu. Disse Ciro a Célia nesse seu inesquecível encontro:

"Se não podemos quebrar preconceitos milenários da Terra, também não devemos dar guarida a pensamentos de ingratidão . Temos um modelo, um mestre, que não é deste mundo. O Salvador nos guarda no Céu um ninho de ventura. Isso, se soubermos sofrer com resignação e simplicidade, à maneira dos bem-aventurados. Cristo também amou muito e, entretanto, perlustrou os caminhos da incompreensão terrestre, sozinho e abandonado. Somos realmente vítimas de preconceito e perseguições, mas tais sofrimentos são justos, por certo, dados os desvios do nosso passado espiritual, de eras prístinas. Jesus se sacrificou pela Humanidade inteira, embora de coração imaculado como o lírio e manso como cordeiro. Que valem nossos sofrimentos comparados aos Dele, no alto da cruz da impiedade e da cegueira humanas? Célia, minha querida, levanta os olhos para Jesus e caminha ! . . Quem melhor que nós poderá compreender esse doce mistério do amor pelo sacrifício ? Sabemos que os mais felizes não são os que dominam e gozam neste mundo, mas os que compreendem os desígnios divinos, praticando-os na vida, ainda que nos pareçam as criaturas mais desprezíveis e mais desventuradas. . . Além disso, querida, para os que se amam pelos laços sacrossantos da alma, não existem preconceitos nem obstáculos, no espaço e no tempo. Amar-nos-emos, assim, constantemente, esperando a luz do Reino do Senhor. Soa, agora, o penoso instante da separação, mas, aqui ou além, estarás sempre viva em meu peito, porque hei-de amar-te toda a vida, como o verme desprezado que recebeu o suave sorriso de uma estrela... Poderão, acaso, separar-se os que caminham com Jesus através das névoas da existência material? Não prometeu o Mestre o seu reino ditoso a quantos sofressem de olhos voltados para o amor infinito do seu coração? Sejamos conformados e tenhamos coragem!... Além destes espinhais, desdobram-se estradas floridas, onde repousaremos um dia sob a luz do Ilimitado . Se sofremos agora, deve haver uma causa justa, oriunda de tenebroso passado, em sucessivas existências terrenas. Mas a vida real não é esta, e sim a que viveremos amanhã, no ilimitado plano da espiritualidade radiosa!.."


Após este encontro doloroso para Célia, procura sua Mãe, a bondosa Alba Lucínia, para que intercedesse pelo seu bem amado. E é justo reconhecer que desde aqueles tempos, recorria-se à Mãe, para buscar uma intercessão, para buscar um perdão, para se buscar misericórdia. É por isso que Jesus do alto de sua cruz, ofereceu a sua própria Mãe a humanidade inteira representada por seu discípulo amado. E é por isso que eu não quero ser órfão de Mãe no céu e por isso que aceito a oferta de Jesus, a sua doce Mãezinha em nossa vida, como beneplácito de Deus. Mãe é sempre aquele ser benévolo que intercede pelos filhos. E Célia pediu que sua mãe intercedesse por Ciro junto a seu pai, ainda de coração endurecido. E este cede, banindo no entanto o ex-escravo daquela região, escoltado por dois servos da própria confiança, até o porto de Cesaréia, de onde partiria para nunca mais retornar. Ciro ainda pode aconselhar à sua amada que não guardasse mágoa do pai.

O tempo passa e a família retorna a Roma. Na capital imperial, Helvídio recebe um presente de sue futuro genro, um escravo professor. É Nestório que passa a ministrar aulas de cultura romana, história e literatura a Helvídia e Célia. A nossa meiga Célia, porém continuava acabrunhada, melancólica, não conseguindo esquecer-se do seu noivo espiritual. A família pede a intercessão do seu avô Néio Lúcio, esperando que este a convencesse da superioridade da mitologia greco-romana sobre o Cristianismo. Inesperadamente o inverso é que ocorre. Célia cristianiza o seu avô, que não obstante as novas crenças, manteve sua nova fé em sigilo.

Célia é levada por uma amiga de sua mãe, Túlia Cervina, a uma reunião cristã. Nessa reunião, revê num só tempo o seu Ciro e Nestório, seu professor. Escuta os cânticos que aprendera na Palestina na companhia de Ciro e canta com os Cristãos nas catacumbas. O momento do reencontro de Célia e Ciro é o mesmo do reencontro do jovem com seu pai Nestório, o que foi uma surpresa para Célia, saber que seu amado era filho de seu professor.Pai e filho abraçaram-se descobrindo-se ambos ex-escravos do pai da jovem Célia. Ciro por sua vez explicou que no porto de Cesaréia, o comandante do barco conservou-lhe a liberdade e permitiu que ele fosse para Roma, onde jamais imaginaria reencontrar Célia e o seu pai.

Após a reunião pai e filho seguem para o pequeno apartamento de Nestório e ali passam o resto da noite com a conversação íntima entre pai e filho, pensando nas possibilidades decorrentes do retorno de Ciro quanto ao ocorrido na Palestina. Nesta manhã Nestório envia recado ao Censor Fábio Cornélio que não poderia trabalhar aquele dia e vai ao bairro distante buscar os pertences do filho para recebê-lo em sua modesta e pequena habitação. É preciso um pequeno parênteses para explicar que Nestório, após tornar-se liberto, passou a alugar um pequeno apartamento e a dar aulas particulares e estaria em vias de tornar-se um profissional liberal bem sucedido não fosse fiel à Fé Cristã.

Por ironia de destino, o mesmo Pausânias, delator de Ciro na Palestina, esteve furtivamente presente a reunião no cemitério, na noite do encontro memorável. Imediatamente denuncia Nestório Ciro ao Censor Fábio Cornélio que imediatamente ordenou a prisão dos dois e mais cerca de 300 pessoas. Conta-nos Emmanuel que "entre mais de três centenas de criaturas, apenas trinta e cinco reafirmaram a sua fé em Jesus-Cristo, com sinceridade e fervor irredutíveis." Para estas não haveria perdão a menos que abjurassem publicamente a fé em Cristo e confessassem fidelidade a Júpiter. E é interessante esta contabilidade. Dez por cento é uma taxa de perseverança, autenticidade, coragem e fidelidade. Assim como de dez hansenianos, apenas um retornou a Jesus para agradecer, das três centenas de cristãos, apenas 10 por cento reafirma a sua fé. Gratidão e Fidelidade são virtudes que estão na mesma faixa de vibração espiritual. O home que tem gratidão, é sincero, tem coragem, volta, enfrenta riscos, enfrenta zombaria, enfrenta críticas mordazes e cumpre com o dever da fidelidade. A taxa de gratidão contida na narrativa da cura de Lucas, capítulo 17, versos 12 a 19, é confirmada no episódio do testemunho dos cristão presos em Roma, juntamente com Nestório e Ciro.

Quando Helvídio Lúcius retorna de uma de suas viagens, toma conhecimento das novidades e pede uma entrevista pessoal com Nestório, por quem nutria uma simpatia indisfarçável, na Prisão Mamertina. Na conversa, Nestório reafirma sua fé cristã e diz que apesar de eternamente agradecido ao seu patrão, não poderia negar Jesus. Mas pede, entretanto pelo filho. Helvídio, que tinha desprezo por Ciro, diz ser impossível fazer qualquer coisa.

Dias depois Célia obtém a licença para, acompanhada do avô, Néio Lúcio, secretamente cristão, ir a Prisão Mamertina, ver Ciro e Nestório pela última vez. Ao ver o noivo abatido e macérrimo, Célia é vencida por um choro convulsivo. Meu Pai, numa de suas palestras sobre Célia, nos recorda que Néio Lúcio não recomendou a sua neta: "pare de chorar, filha" e sim falou as palavras doces que espera quem está com o peito angustiado com a amargura do sofrimento :

"Chora, filha! . . as lágrimas fazem-te bem ao coração!"

Ciro entretanto, abatido mas fortalecido espiritualmente pela fé renovada com a presença vibrante e contagiante de seu Pai, diz à sua noiva:

" Célia, como te entregas ao sofrimento desse modo? Não será melhor morrer pelo Mestre, a quem tanto amamos? Estou muito reconhecido a Jesus, ao receber tua visita nesta cela erma e triste . Desde que fui preso, tenho suplicado fervorosamente à sua misericórdia não me permitisse morrer sem consolar-te! Ainda esta noite, querida, sonhei que havia chegado ao Reino do Senhor, aí vendo muitas luzes e muitas flores.. Chegando aos pórticos desses paraísos indefiníveis, lembrei-me do teu coração e senti uma saudade profunda!... Queria encontrar-te para penetrar no Céu, contigo. . . Sem a tua companhia, as moradas de luz me pareceram menos belas, mas um ser divino, desses a quem deveremos chamar anjos de Deus, acercou-se, esclarecendo-me com estas palavras: - Ciro, breve baterás a estas portas, livre de qualquer laço dos que ainda te prendem ao corpo perecível ! Manifesta a tua gratidão a esse Pai de misericórdia que te concede tantas graças, mas não penses em repouso quando as lutas apenas
começam! Terás de ressarcir, ainda, muitos séculos de erro e treva, de ingratidão e impenitência!... Reconforta o espírito abatido, na contemplação
dos planos sublimados da Criação, para que possas amar a Terra com as suas experiências mais penosas, que valem também por divino aprendizado,
na escola do amor de Deus!... Então, querida, pedi àquela entidade pura e carinhosa que, depois da morte, me auxiliasse a renascer junto de ti, fosse com a responsabilidade das riquezas terrestres, ou na condição da maior miséria. E sei que Jesus, tão poderoso e tão bom, há-de conceder-me essa graça. Não chores mais! Desanuvia o coração nas promessas divinas do Evangelho ! . Suponhamos que vou fazer uma longa viagem, imposta pelas circunstâncias... mas, se Deus permitir, estarei de volta ao mundo, no dia imediato, a fim de nos encontrarmos novamente. Como será esse reencontro? Não importa sabê-lo, porque, de qualquer forma, sempre nos amamos pelo espírito, dentro de nossas realidades imortais! Promete-me que serás alegre e forte, esperando a minha volta. Não permitas que energias destruidoras te maculem o coração!. Confio no teu valor, espero que jamais estranhes a posição social que o Senhor te haja concedido. Nas horas angustiadas da vida, recorda-te que, depois do amor de Deus, deveremos honrar pai e mãe acima de todas as coisas, sacrificando-nos por eles com a melhor das nossas energias ! Dize-me, Célia, que amarás sempre a vida, que terás muita fé e me esperarás, cheia de confiança.. Quero enfrentar o sacrifício com a certeza de que prosseguirás, como sempre, forte na luta e conformada com os desígnios do Criador ! "


Célia então, recorda-se do primeiro encontro no barco em Antipátris e o momento em que seus braços vigorosos a salvaram do peso estupefaciente das águas. Ciro então, como que prevendo a capacidade de renúncia daquele espírito iluminado, reafirma que Deus a queria na Terra e que não fora ele quem verdadeiramente a retirara do lodo do lago, mas Jesus Cristo. Ciro então promete voltar para encontra-se com ela ainda nesta vida e entrega a ela uma cópia do Hino da Prisão Mamertina, composta por ele mesmo e por Nestório, o nosso Emmanuel.

A partir deste encontro, ocorre o martírio de pai e filho em festa bárbara , com o massacre dos cristãos, que desencarnaram cantando o hino abaixo, o mesmo presenteado por Ciro à sua noiva:

Cordeiro Santo de Deus,
Senhor de toda a Verdade,
Salvador da Humanidade,
Sagrado Verbo de Luz!...
Pastor da Paz, da Esperança,
De Tua mansão divina,
Senhor Jesus, ilumina
As dores de nossa cruz!...

Também tiveste o Calvário
De dor, de angústia, de apodo,
Ofertando ao mundo todo
As luzes da redenção;
Tiveste a sede, o tormento,
mas, sob o fel, sob as dores,
Redimiste os pecadores
Da mais triste escravidão!

Se também sorveste o cálice
De amargor e de ironia,
Nós queremos a alegria
De padecer e chorar...
Pois, ovelhas tresmalhadas,
Nós somos filhos do erro,
Que no mundo do desterro
Vivemos a Te esperar.

Dá, Senhor, que nós possamos
Viver a felicidade
Nas bênçãos da Eternidade
Que não se encontram aqui;
O júbilo de reencontrar-Te
Nos últimos padeceres,
Acende em nós os prazeres
De bem morrermos por Ti!..

Senhor, perdoa os verdugos
De tua doutrina santa!
Protege, ampara, levanta
Quem no mal vive a morrer. .
A caminho do Teu reino,
Toda a dor se transfigura,
Toda a lágrima é ventura,
O bem consiste em sofrer!...

Consola, Jesus amado,
Aqueles que nós queremos,
Que ficarão aos extremos
Da saudade e do amargor;
Dá-lhes a fé que transforma
Os sofrimentos e os prantos
Nos tesouros sacrossantos
Da vida de Teu amor!...

A partir de então, a vida de Célia resumia em suas leituras e orações até que uma calúnia irrompe em sua casa. No retorno de uma longa viagem de seu pai, uma serva, chamada Hatéria, traz uma criança abandonada para colocá-la na cama de sua mãe justamente na noite do retorno de Helvídio. O objetivo era inculpara Alba Lucínia de infidelidade. Célia, desperta durante a noite com o vagido do bebê e sabendo que seu pai estava adentrando a casa, toma suas jóias, entrega-as a Hatéria, diz-lhe que aquela criança é sua e que ela confirme isso diante de seu pai. O pai ao entrar e receber da serva a notícia de que sua filha acabava de dar a luz um bebê, expulsa-a de casa sem apelação. Célia sai de casa com o pequeno ao colo, no meio da noite fria, caminhando assustada pelas ruas da capital do mundo, ainda um pouco atordoada e sem saber que direção tomar.
Algum tempo depois Célia vem a descobrir através de uma informação espiritual de seu avô Néio Lúcio, já desencarnado e que do outro lado da vida passou a ser seu espírito guardião, que aquele menino era Ciro reencarnado, em situação expiatória. Célia, faz um roteiro longo, de mais de duzentos quilômetros, de Roma a Nápoles e de Nápoles a Alexandria de barco. Nesse tempo, de quase um ano, o pequeno desencarna, pois era muito frágil e enfermo.
Após o desencarne do menino o espírito de Néio Lúcio traz Ciro, já reassumindo a sua personalidade espiritual anterior que diz à sua noiva:

" Célia, não renegues o cálice das provações redentoras, quando as mais puras verdades nos felicitam o coração !. Depois de algum tempo na tua companhia, eis-me de novo aqui, onde devo haurir forças novas para recomeçar a luta !.. Não entristeças com as circunstâncias penosas da nossa separação pelas sendas escuras do destino. És minha âncora de redenção, através de todos os caminhos! Jesus na infinita extensão de sua misericórdia, permitiu que a tua alma, qual estrela do meu espírito, descesse das amplidões sublimes e radiosas para clarificar meus passos no mundo. Luz da abnegação e do martírio moral, que salva e regenera para sempre!... Se as mãos sábias e justas de Deus me fizeram regressar aos planos invisíveis, regozijemos-nos no Senhor, pois todos os sofrimentos são premissas de uma ventura excelsa e imortal ! Não te entregues ao desalento, porque, antigamente, Célia, meu espírito se tingiu de luto quase perene, no fausto de um tirano ! Enquanto brilhavas no Alto como um astro de amor para o meu coração cruel, decretava eu a miséria e o assassínio! Abusando da autoridade e do poder, da cultura e da confiança alheias, não trepidei em destruir esperanças cariciosas, espalhando o crime, a ruína e a desolação em lares indefesos! Fui quase um réprobo, se não contasse com o teu espírito de renúncia e dedicação ilimitadas ! Ao passo que eu descia, degrau a degrau, a escada abominável do crime, no pretérito longínquo e doloroso, teu coração amoroso e leal rogava ao Senhor do Universo a possibilidade do sacrifício!... E, sem medir as trevas agressivas e pavorosas que me cercavam, desceste ao cárcere de minhas impenitências !... Espalhaste em torno da minha miséria o aroma sublime da renúncia santificante e eu acordei para os caminhos da regeneração e da piedade ! Tomaste-me das mãos, como se o fizesses a uma criança desventurada, e ensinaste-me a erguê-las para o Alto, implorando a proteção e misericórdia divinas! Já de alguns séculos teu espírito me acompanha com as dedicações santificadas e supremas ! É que as almas gêmeas preferem chegar juntas às regiões sublimes da Paz e da Sabedoria, e, dentro do teu amor desvelado e compassivo, não hesitaste em me estender as mãos dedicadas e generosas, como estrela que renunciasse às belezas do céu para salvar um verme atolado num pântano, em noite de trevas perenes. E acordei, Célia, para as belezas do amor e da luz e, não contente ainda, por me despertares, me vens auxiliando a resgatar todos os débitos onerosos.. Teu espírito, carinhoso e impoluto, não vacilou em sustentar-me, através das estradas pedregosas e tristes que eu havia traçado com a minha ambição terrível e desvairada! Tens sido o ponto de referência para minha alma em todos os seus esforços de paz e regeneração, na reconquista das glórias espirituais. Ao teu influxo pude testemunhar minha fé, no circo do martírio, selando, pela primeira vez, minha convicção em prol da fraternidade e do amor universal! Por ti, desterro de mim o egoísmo e o orgulho, sustentando todas as batalhas íntimas, na certeza da vitória! Voltando ao mundo, fui novamente arrebatado dos teus braços materiais, em obediência às provas ríspidas que ainda terei que sustentar por largo tempo! Jesus, porém, que nos abençoa do seu trono de luz e misericórdia, de perdão e bondade infinita, permitirá que eu esteja contigo nos teus testemunhos de fé e humildade, destinados à exaltação espiritual de todos os seres bem-amados que gravitam na órbita dos nossos destinos! E se Deus abençoar minhas esperanças e minhas preces sinceras, voltarei de novo para junto do teu coração, nas lutas ásperas.... Espera e confia sempre!. Na sua magnanimidade indefinível, permite o Senhor possamos voltar dos caminhos almos do túmulo, para consolar os corações ligados ao nosso e ainda retidos nos tormentos da carne... Somente lá, nas moradas do Senhor, onde a ventura e a concórdia se confundem, poderemos repousar no amor grande e santo, marchando de mãos dadas para os triunfos supremos, sem as inquietações e provas rudes do mundo!."

Ciro então passa a acompanhar da outra dimensão da vida, os acontecimentos novos na vida de sua bem amada. Ela encontra-se com um bnfeitor no caminho, Lésio Munácio, antigo nobre romano, que fora traído e banido da sociedade por abrandamento de sua pena, concedido por um pedido do seu avô Néio Lúcio, que tinha muito prestígio então. E sem saber que a jovem era neta de Néio, Lésio lhe propõe usar as vestes de seu filho e apresentar-se a um mosteiro que ele mesmo fundara e lá viver longe dos perigos da sociedade barbarizada.

Neste mosteiro, Célia foi recebida com alguma relutância pelo prior do mosteiro, o Pai Epifânio, pois não tinha bens. Mas foi aceita por causa do nome de Lésio Munácio e também por que ela demonstrou saber que o "pai" havia sido o grande benemérito na construção do mosteiro. Em pouco tempo, Célia, agora irmão Marinho, agradou a todos com o seu conhecimento do Evangelho, demonstrado nas reuniões íntimas do pequeno grupo de monges. Enciumado, Epifânio escolheu-a para ser o responsável pelas comprar do mosteiro, o que era feito numa pequena aldeia próxima que exigia uma pernoite na estalagem. Isso afastou o irmão Marinho dos comentários evangélicos que apagavam a presença de Epifânio.

A filha do estalajadeiro, chamada Bruneilda apaixona-se pelo irmão Marinho, que a muito custo e paciência desviava-se da mesma. A jovem afoita engravida então de um soldado romano e acusa o irmão Marinho de ser o pai da criança. Quando a criança nasce, o comerciante chama o Pai Epifânio e diz que entre os seus monges um era o pai de uma criança concebida por sua filha numa relação indigna. Mais uma vez Célia, agora como Irmão Marinho, assume uma criança como filho e desta vez ela já sabe que é Ciro. O primeiro filho ela cuidou durante a sua trajetória de Roma a Nápoles e permaneceu apenas cerca de um ano com ela. O segundo, já em Alexandria, viveu em sua companhia até cerca de 4 anos. Ela estava nos fundos do convento, na área onde plantou o seu Horto, exilada do convívio com os demais irmãos, mas com liberdade para dar aulas às crianças e aos velhos, cuidar de seus males físicos, emocionais e espirituais. E ali viveu quatro anos em companhia de Ciro reencarnado e mais alguns anos, novamente só, contando apenas com a companhia espiritual de seu avô que sempre lhe confortava e lhe dava esperanças.

Mais tarde o seu avô vai lhe explicar o motivo das reencarnações breves de Ciro:

" Ciro tem necessidade dessas provações, que lhe hão-de temperar a vontade e o sentimento para os gloriosos feitos do seu porvir espiritual !...Entre os mártires do Cristianismo, há os que se desprendem do mundo em missão sacrossanta e os que morrem para os mais penosos resgates... Ciro é do número destes últimos... Em séculos anteriores, foi um déspota cruel, exterminando esperanças e envenenando corações... Mergulhado depois na luta expiatória, renegou as dores santificantes e enveredou pela senda ignominiosa do suicídio. É justo, pois, que agora aprecie os benefícios da luta e da vida, na dificuldade de os
readquirir para a sua redenção espiritual, ansiosamente colimada. As experiências fracassadas hão-de valorizar o seu futuro de realizações e esforços nobilíssimos. Em face da dor e do trabalho, no porvir que se aproxima, seu coração amará todos os detalhes da luta redentora. Saberá prezar no trabalho ingente e doloroso os recursos sagrados da sua elevação para Deus, reconhecendo a grandeza do esforço, da renúncia e do sacrifício!..."


Ciro ainda retorna algumas vezes a arena terrestre. No século XVI, vamos encontrá-lo, em novo encontro com o mesmo espírito de luz, agora chamado Alcione. Desta feita, Ciro está em região errática de sofrimento, preparando-se para reencarnar-se em companhia de seu amigo Menandro, ao qual associou-se nos desmandos da política religiosa. Recebendo na região de sofrimento, a visita do nobre espírito Alcione, promete ele na próxima experiência renovar os votos de fidelidade a Jesus, sem novamente cair nas tramas da religiosidade estéril, da busca desenfreada do poder, da impiedade gerada pelo intelectualismo filosófico inútil e vazio de espiritualidade e de cristandade.

E o Padre Carlos Clenaghan em sua nova oportunidade vê escapar-lhe das mãos mais uma graciosa vida ao lado do excelso espírito Célia/Alcione. Dessa vez o poder político aliado ao Odium Theologicum converteu-o num inquisidor cruel que sofre o seu derradeiro choque anímico quando vê que uma de suas condenadas era a própria Alcione que ele tanto amara, mas que ela respeitando seus votos sacerdotais, aconselhara a manter-se fiel a Cristo. A amargura de seu coração, associado a outros incidentes de sua desventurada experiência terrena narrada no livro "Renúncia", entre os quais, o abandono da vida religiosa, um consórcio matrimonial infeliz, um reencontro com Alcione, que enfim lhe aceitara a corte, mas que o encontra casado, a separação e por fim o retorno à Igreja como um fiscal do Santo Ofício, aliando numa reminiscência reencarnatória dolorosa as suas experiências de tirano político àquelas de estudioso da Filosofia, da intelectualidade, da vaidade do conhecimento, da busca compulsiva do conhecimento egoístico, petrificando seu sentimento, enregelando seu coração, solidificando as bases de sua tênue espiritualidade, soerguida em muitas vidas sob a tutela psíquica de Célia/Alcione.

A imagem que nos facilita o entendimento do que ocorreu com o espírito querido de Ciro/Carlos é a de um aluno que enquanto estuda sob os cuidados de uma professora particular vai muito bem nos estudos, mas quando chega a hora de comprovar seu conhecimento, nos momentos de testes no seu colégio, ele fracassa. A mãe do menino havia conversado com a professora particular, que afiançou que o mesmo estava muito bem, mas sozinho ele titubeou em todas as questões, vacilou diante das provas e fracassou fragorosamente. Esta é a imagem de um espírito que cresce na cultura, mas fraqueja na assimilação da humildade, cresce na vontade de aprender, mas se equivoca ao tentar aplicar a teoria por causa da vaidade. Reparar o mal inclui uma primeira etapa expiatória, onde involuntariamente nos é bloqueada a ia do erro e uma segunda etapa de provas e testemunhos.

O nosso querido Ciro se destemperava na hora do testemunho, pois contando sempre com o influxo do amor de Célia Lúcius, uma estrela do céu, iluminando um verme no charco, como ele mesmo assinalou um dia, aprimorava-se na expiação e falhava nas provações. Enquanto estivesse sob fiança psíquica parecia que tudo iria dar certo, mas no momento da necessária solidão da prova, as reminiscências do passado de grandeza, de impiedade e hipertrofia do intelecto lhe amorteciam as frágeis bases do amor.

No século XIX, reencarna em solo inglês o nosso personagem, na pele do professor Alexander Seggie, homem sincero, cristão verdadeiro, desapegado de bens materiais, despojado de vaidade, desprendido da necessidade dos olofotes da terra, despojado de qualquer sentimento de individualismo e dotado de simplicidade natural. Conheceu um brasileiro de quem foi colega e tornou-se amigo: Dr. Rômulo Joviano, que viria a ser diretor de Chico Xavier na Fazenda Modelo. Durante anos a amizade dos dois foi muito profícua e o Dr. Rômulo pode testemunhar o quanto o jovem Seggie foi um cristão sincero e dedicado a ponto de certa feita ajudar aos transeuntes a apagar o incêndio de uma casa em chamas e ao final perceber que havia sido a própria casa. Ajudou sem aperceber-se. Passou a fazer o bem sem interesse, sem nenhuma necessidade de colocar-se em primeiro lugar. O despojamento foi a nova marca desse nobre espírito, o nosso Ciro, de Éfeso, filho de Emmanuel, alma querida de Célia Lúcius, vitorioso, na humildade, na caridade, na tolerância, no esquecimento e na simplicidade. A experiência de decretar a morte de sua amada fora excessivamente atordoadora para o seu psiquismo e o choque anímico, definitivamente impôs uma guinada em sua trajetória evolutiva.

Ciro, de Éfeso, viveu como o humilde professor bondoso Alexander Seggie, a sua vida de retorno à tão almejada condição de espírito nobre, merecedor da companhia de outros nobres espíritos como Emmanuel, Néio Lúcio e todos os companheiros de tantas jornadas, sempre tendo à frente o espírito sublime de Célia a alavancar o progresso de todos com o mesmo desvelo de sempre, com a mesma paciência de sempre, como se a suprema tolerância e longanimidade de Deus, fossem parte de sua natureza íntima.

Que seja essa a nossa homenagem a esse espírito querido, que hoje vela por nossos acertos e qual um Rei David, que oprimido diante do próprio pecado nunca desanimava, esse valoroso amigo, nunca esmoreceu, nunca desistiu, nunca permitiu que o desânimo espiritual o dominasse, oferecendo-nos a todos um exemplo vivo de soerguimento da alma, mesmo nos momentos aparentemente desoladores, num autêntico curso de fisioterapia do espírito, para que nossas almas adoecidas pelas artroses, endurecidas pelos reumatismos psíquicos possam efetivamente reeducar-se para alcançar a dignidade do espírito.

domingo, junho 17, 2007

A Mãe e o Livro dos Espíritos


Flávio Mussa Tavares

Por que sofro? diz a jovem

Mãe de um menino enfermo.

Que mal fez esta criança

Para receber do destino

Esta dolorosa sentença

Cumprida neste mundo ermo?




Muitos anos ela buscou

Uma resposta plausível

Que lhe trouxesse um descanso

Ao coração de mãe.

Que era meiga e sensível

Mas que por vezes perdia,

Seu temperamento manso.




Ninguém, ao ver-lhe a angústia

Dos seus dias de impaciência,

Soube mitigar-lhe a prova

Com alguma explicação,

Que lhe abrisse a consciência

E lhe desse uma fé nova.




Mas um dia cai-lhe às mãos

Uma brochura antiga:

É "O Livro dos Espíritos"

emprestado por mão amiga.




Lendo as sábias respostas

Dos espíritos sensatos,

Percebe ali exposta

Uma nova revelação.

Uma nova humanidade

Reacenderia sua fé,

Aclarada pela razão

Deste formoso tripé.




As respostas vem da experiência,

Explicando a nossa ciência.

A Filosofia não é mais hermética,

São respostas sintéticas.

E a Religião é o corolário

Empregando a moral de Jesus

No sustento doutrinário.





Nunca mais a Mãe do menino

Chorou por sentir-se afastada

Da divina compaixão.

Compreendeu que em nosso mundo,

Há a conversão do infortúnio

Na verdadeira redenção.

"O Codificador e o centurião"


Flávio Mussa Tavares




São cento e cinqüenta anos

De uma doutrina nova

Que explica à luz da razão

A expiação e a prova.




É o consolador prometido

Por Jesus em seu Evangelho,

Que justifica o caminho

Desde a criança ao velho.




Nada mais nos é mistério.

Quem quiser tem a resposta.

A caridade é o meio

Que esta doutrina nos mostra.




Salve o Codificador

Da doutrina da razão,

Que entende a fé de Jesus

Qual fez o centurião.

De Lion à Paris


Flávio Mussa Tavares

A notícia do Consolador

Deu a esta humanidade Jesus,

Ensejando uma era de amor,

De justiça, de razão e luz.


Cumprindo sua solene promessa,

De Lion, à Yverdun e Paris,

Por Kardec a verdade se expressa

Em mil vozes, em fino verniz.


Concluiu-se extenso questionário.

O que é Deus? O que é vida? O que é morte?

Mais que um manual, um elucidário


Vindo de um plano extraordinário.

E nós, legatários desta sorte,

Vivemos seu sesquicentenário!

NOMES DE SANTOS CATÓLICOS NOS CENTROS ESPÍRITAS

Nomes de Santos Católicos nos Centros Espíritas
Abaixo, trecho do livro "Por que Sou Espírita", de Américo Domingos, em que o autor responde as acusações feitas ao Espiritismo pelo D. Estevão Bittencourt no livro "Porque não sou Espírita":
" Quanto ao Espiritismo , ' às vezes, se revestir de capa católica, adotando nomes de santos para seus centros e louvando Jesus Cristo', devo informar ao prezado irmão sacerdote que um santo, embora tenha tido atuação no Romanismo, não é privilégio apenas dos católicos, representa uma fonte de luz para toda a Humanidade. Para um espírita, o santo é um missionário de luz, tendo tido ou não uma crença católica. O que faz alguém ser 'santo' é ter alcançado um elevado grau de espiritualidade. Conforme o Mestre ensinou a respeito dos eleitos, o santo exatamente se caracteriza pela prática desinteressada do amor para com todas as criaturas. Será que o prelado considera o 'santo' propriedade da Igreja Católica? Será que o santo, como criatura espiritual de grande expressão, só exerce a fraternidade para os católicos? A resposta é negativa, já que o próprio Jesus não faz diferença entre as pessoas e, conforme foi comentado, anteriormente, o Mestre não se refere a nenhuma crença religiosa, por ocasião do sermão profético, quando fala a respeito dos 'eleitos'. É muito boa a abordagem a respeito desses benfeitores espirituais, pois sabe-se que o fenômeno mediúnico foi marcante na vida dos iluminados irmãos, canonizados pela Igreja. Cito a seguir alguns exemplos a respeito do assunto, compulsados do excelente livro 'Mediunidade dos Santos', de autoria de Clovis Tavares, publicado pelo Instituto de Difusão Espírita, de Araras-São Paulo:
1 - Santa Teresa Galani possuía a mediunidade da vidência; 2 - Santa Margarida Alacoque era dotada da mediunidade da vidência e da audiência. 3 - São Pedro de Alcântara era portador da faculdade mediúnica da cura, premonição e levitação. 4 - Santa Margarida de Cortona exercia a mediunidade da vidência. 5 - São João Crisostomos tinha o dom da psicografia. 6 - São Pedro de Alcântara dominava a premonição,a levitação e a cura mediúnica; 7 - Santa Gemma Galgani apresentava a vidência; 8 - Santa Catarina Laboure tinha a posse da audiência; 9 - Santa Tereza D'Avila desempenhava a vidência; 10 - Santa Brigida era uma médium que levava a efeito a vidência, a audiência, a psicografia, a levitação, a premonição e a cura; 11 - Santa Clara de Montefalco punha em ação a vidência, o desdobramento ou a projeção da consciência, xenoglossia (falar línguas estrangeiras desconhecidas ao médium), premonição e curas; 12 - Dom Bosco foi um médium, principalmente, de efeitos físicos. Praticava também a vidência, a premonição e a cura; 13 - São João Batista Maria Vianney (Cura D'Ars) se distinguiu pela mediunidade da cura e da vidência; 14 - São Eucarpio, São Trofimo, Santa Joana D'Arc, São Francisco de Assis professavam a audiência; 15 - Santo Afonso de Ligorio era versado de audiência e na bilocação; 16 - Santo Antonio de Pádua, além da bilocação, exercitava-se na premonição e na cura; 17 - Santa Catarina de Genova possuía a vidência; 18 - Santa Catarina de Siena exercia a audiência e a cura; 19 - São Bento foi um 'expert' na levitação.
Conclui-se que os denominados Santos eram pessoas dotadas de função mediúnica. Seus dons paranormais são perfeitamente observados e estudados pela Doutrina Espírita, constatando-se nenhum fato miraculoso ou inexplicável. É perfeitamente plausível afirmar, então, que os homens canonizados pelo Catolicismo estão muito mais ligados ao Espiritismo do que a qualquer religião, inclusive a católica. Como espíritos evoluídos, fazem parte da grande falange crística dirigida pelo próprio Jesus. Assim como a Doutrina codificada por Allan Kardec representa 'O Consolador prometido pelo Cristo': 'Vos ensinará todas as coisas e vos lembrará tudo o que vos tenho dito' (João 14:26), e certo que os queridos irmãos, santificados pela Igreja continuam trabalhando espiritualmente para o bem da Humanidade. O Mestre disse que 'O Consolador não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido' (João 16:13). Representa, então, uma falange de mensageiros espirituais, que, sob a ordem de Jesus, ('O Pai enviará em meu nome' - João 14:26), virão ensinar o que o Cristo disse que a Humanidade de sua época não podia suportar (João 16:12). Em 'O Livro dos Espíritos' (questão 625), Allan Kardec perguntou a Espiritualidade: 'Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e de modelo?' A resposta foi incisiva: 'Jesus'. Na resposta da pergunta 627, ressalto a seguinte afirmação dos Arautos do Consolador: 'Estamos incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou'. É lógico, portanto, assegurar que as Entidades santificadas pela Igreja, fazem parte das falanges espirituais, cuja presença entre nós reafirmam as palavras do Mestre: 'Não vos deixarei órfãos...' (João 4:18) O Codificador do Espiritismo, na elaboração da Doutrina Espírita, recebeu ajuda considerável de vários espíritos, laureados pelo Vaticano, como São Luis, Santo Agostinho, São João Evangelista, São Vicente de Paulo, São Paulo, São Francisco Xavier, Cura de Ars e outros. Portanto, não há, para o seguidor de Kardec, constrangimento em homenagear os locais onde pratica o amor ensinado e exemplificado pelo Cristo, com os nomes daqueles que são verdadeiros seareiros do bem, chefiando as falanges responsáveis pela implantação do Evangelho na Terra. Quanto a louvar o Cristo, o Mestre é realmente o exemplo a ser seguido pelos homens. Allan Kardec disse que 'Jesus constituiu o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos tem aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava.' ('O Livro dos Espíritos, comentário da resposta da questão 625). Também deve se ressaltar que o Espiritismo é religião da fé raciocinada e ensina que 'Fora da Caridade Não Há Salvação'. A obra básica da Doutrina, 'O Livro dos Espíritos', começa pela definição de Deus e termina com o estudo das leis morais. Num apanhado de todos os livros básicos do Espiritismo, pode-se dizer: 'O Espiritismo vem confirmar as verdades fundamentais da Religião. Respeita todas as crenças: um de seus efeitos é incutir sentimentos religiosos nos que não possuem, fortalecê-los nos que os tenham vacilantes. Vem opor um dique a difusão da incredulidade. Longe de negar ou destruir o Evangelho, vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas leis da natureza, que revela, tudo o quanto Cristo disse e fez. O Espiritismo não vem destruir os fatos religiosos, porem sancioná-los, dando-lhes uma explicação racional. Por tudo isso, posso dizer que um católico pode vir a ser espírita. Afinal, eu mesmo fui católico e deixei de sê-lo. Hoje sou espírita e me ufano disso. Minha religião não é calcada no medo. Responde a todos os meus anseios e perquirições. Não impõe uma fé dogmática, contraditória, punitiva, ameaçando as pessoas com penas e sofrimentos irremissíveis. Estuda o Evangelho em espírito e em verdade, sem se prender a 'letra que mata'. Na minha crença, não há hierarquia religiosa, existe liberdade de pensamento. Não se embala alguém com promessas e mentiras. Não possui sacerdócio, nem liturgia, nem símbolos. O espírita não adora imagens, não usa vestes especiais, não utiliza rituais. Segue o ensinamento de Jesus: 'dá de graça o que de graça recebeste', sem auferir, portanto, rendimentos monetários. A Doutrina Espírita redivive o Cristianismo primitivo em toda a pureza dos tempos apostólicos. Tem como princípios básicos: 1 - A crença em Deus, definido como 'inteligência suprema, causa primária de todas as coisas'; 2 - A evolução ou progresso dos seres e dos mundos; 3 - A Reencarnação, permitindo a evolução, através de varias oportunidades de renascimento na carne e decifrando todos os enigmas, refletindo a justiça de um Pai que é AMOR. 4 - A sobrevivência do espírito, imortal, preexistindo ao corpo somático e sobrevivendo ao mesmo. 5 - A comunicação entre o Mundo Espiritual e o Físico, estudando as leis que regem esse intercâmbio e proporcionando o recebimento de ensinos por parte dos Espíritos Superiores, como também o consolo para os que ficaram na Terra, chorando a perda de seus entes queridos.

quarta-feira, junho 13, 2007

Nina Arueira, um exemplo de luta histórica

Nelzimar Lacerda

Quando estava para ingressar na Academia Fidelense de Letras, levei alguns dias para decidir sobre qual seria o meu patrono, embora havia pensado em Fernado Pessoa, Castro Alves, alguns dos famosos imortais do mundo da literatura, mas as suas cadeiras já se encontravam escolhidas pelos demais membros e colegas que já haviam tomado posse. Daí perguntei a um colega sobre quais cadeiras estavam para serem escolhidas. E ele foi citando alguns nomes como Sebastião Fernandes, poeta e escritor fidelense, citado até em revistas literárias internacionais no século passado, bem como, prêmio Machado de Assis com o livro “Cuité”. Todavia, ao ouvir o nome de Nina Arueira, sondei por detalhes sobre sua história, o que comoveu-me muito, levando-me a optar pela cadeira referente a ela.

Não obstante, a história de luta e exemplo, da escritora, jornalista e líder sindical revolucionária na década de 30, acredito, hoje, o país carece de líderes como Nina, cuja ausência faz com que se perceba a triste realidade e continuidade de um mesmo processo onde as injustiças sociais permanecem. A jovem menina Nina, aos 16 anos de idade, já se encontrava a quilômetros de avanço sobre a formação de um verdadeiro contexto de cidadania e espírito de luta, o que não se vê na juventude de hoje. Nina levantou uma bandeira em defesa dos direitos sociais em favor dos trabalhadores oprimidos e excluídos por conta de um sistema político perverso, o que não difere do atual. Nina não precisou pintar a cara, não fez parte de nenhuma liga estudantil ou sindicato constituído por líderes pré-fabricados, para serem coniventes com os interesses fisiológicos da corte. Nina caminhou até o fim da sua breve trajetória de vida sem fugir ou trair seus princípios e ideais de luta por uma sociedade igualitária.

Para quem não sabe Maria da Conceição Arueira, era filha de uma família de classe média de Campos, de origem quatrocentista, até onde conheciam no distrito de São Martinho. Uma menina iluminada, vibrante, inteligente e com espírito altamente evoluído. Apesar de ter falecido com apenas 19 anos de idade, ao contrair tifo, doença que dizimou muita gente naquela época, Nina foi uma espécie de anjo que desceu dos céus, para romper com barreiras alienantes e abrir caminhos no sentido de abraçar uma causa e conscientizar o povo sobre a importância de unir forças na luta contra a burguesia dominante que explorava e massacrava o povo. No entanto, comparando o contexto sobre o qual Nina se pôs a lutar pelos direitos sociais, parece-nos que não há muita diferença do contexto de hoje, apesar de termos uma Constituição Federal, onde estão escritos os direitos sociais e fundamentais, mas que não são cumpridos. Pior, não temos líderes como Nina, e a história se repete... A maioria da população brasileira continua vivendo à margem da miséria e pobreza. Não existe saúde pública e nem educação de qualidade e, continuamos vivendo sob as rédeas dos capitalistas do crime e da corrupção, formada pelas elites dominantes que continuam no poder, sendo uma espécie de tifo que mata e corrói com quaisquer princípios de moralidade, ética e justiça nesse país.

Logo, ao falar de Nina nesse mesmo veículo de comunicação histórico e do qual fez parte como colaboradora, é enaltecer a alma preenchendo-a de emoção e razão.
MONITOR CAMPISTA 12 de junho de 2007