sábado, maio 21, 2011

MARIA DE BETÂNIA




Ler algumas páginas sobre Maria de Betânia foi uma surpresa muito feliz.

Acho mesmo que Maria de Betânia pode ser uma das grandes esquecidas ou injustiçadas de O Novo Testamento, recordada principalmente a partir do evento em que é elogiada por Jesus após o queixume de sua irmã. Todavia, marcada por este episódio, ocorreu um efeito que me parece reverso e contraproducente. A maioria das mulheres religiosas de nosso século, hiperativas e sem atenção, passou a preferir o arquétipo de Marta. Assumiu-se que Marta era como uma “formiga” e que Maria, pejorativamente, seria como uma “cigarra”. Ou em outras comparações, que Marta era como uma freira de vida Ativa e Maria, Contemplativa, sempre emprestando para a contemplação uma conotação de certa indolência e languidez. Eu mesmo iniciei este estudo, influenciado por este olhar.

Buscando os momentos em que o Novo Testamento registra os encontros de Maria de Betânia com Jesus, encontrei relatos de três situações, narradas, uma delas no Evangelho de Lucas e as outras, nos Evangelhos de Mateus, Marcos e João.

A narrativa de Lucas, capítulo 10, versos 38 a 42 é a seguinte:

‘Aconteceu que, indo eles de caminho, entrou Jesus numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa; E tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Marta, porém andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude. E respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada.”

Este episódio é a referência mais conhecida e comentada a respeito de Maria de Betânia. Aí está a informação de que Betânia era um pouso para Jesus. Tratava-se de um refúgio, lugar para onde se dirigiu em situações especialmente graves em sua vida. E também o local onde se deu o seu feito mais espetacular, a ressurreição de Lázaro, fato que levou à sua prisão e morte.

Aldeia pequena, Betânia erguia-se em paisagem bucólica, localizada no sopé do lado oriental do Monte das Oliveiras. Este monte é parte de uma pequena cadeia de montanhas composta de três picos, cuja altura média é de 800 metros do nível do mar. A elevação é cercada, ou era à época de Jesus, por uma plantação de oliveiras. A vegetação verdejante, o clima aprazível e a paz do local. Distava poucos quilômetros de Jerusalém e era um local onde Jesus costumava orar. Ali os discípulos reuniram-se com Jesus após a última ceia e ali também se deu o fenômeno da Ascenção, descrita no Evangelho de Lucas, capítulo 24, versos 50 e 51. Recebido por Marta, segundo o texto, que parece indicar que era a mais velha, Jesus pôs-se a falar. Sobre o que falava Jesus? O tema era importante o bastante para fazer com que Maria permanecesse aos seus pés, absorta nas palavras e envolvida pela aura enternecedora e surpreendente do Mestre. A anfitriã, ao contrário, continuou envolvida com os afazeres domésticos, perfeitamente compreensíveis e razoáveis. Entretanto, ao dispor-se a renunciar às palavras de Jesus em função do labor doméstico, Marta achou-se injustiçada e tentou ganhar a aprovação do Mestre ao seu justo pleito. Senhor, não é justo que minha irmã se deleite com os seus ensinos enquanto eu trabalhe sozinha. Diga a ela para me ajudar. Quantas pessoas, em especial, as mulheres, são vítimas da pseudo-verdade deste arrazoado! E digo em especial as mulheres por que são vitimas das suas alterações hormonais, que as tornam em épocas especiais, hiperativas, desatentas, irritadas em sem paciência. Talvez tenha sido por isso que Jesus deixou este ensino dirigido `a Marta e às Martas de todos os tempos. Mas é óbvio que são conceitos absolutamente pertinentes aos homens que também apresentam-se com temperamentos ativos ou contemplativos. Até mesmo em nossas instituições espíritas escutamos coisas do tipo: “Alguns vêm aqui apenas para ouvir, nós é que ficamos com o trabalho”; “Evangelho é trabalho, não é ficar sentado, fresquinho, assistindo palestra, participando de estudos”, “Ouvir o Evangelho é muito fácil, quero ver quem vem colocar a mão na massa”. Estas pessoas estão, a seu turno, repetindo a queixa de Marta, que ademais buscou o apoio de Jesus. Quem sabe, pensou ela, Jesus dissesse: “Sim, Maria, vá ajudar a sua irmã” ou “Maria, você não deveria estar assim lânguida aos meus pés, veja o exemplo de Marta, que é uma trabalhadora incansável”’ .

Todavia, a resposta sábia e bondosa de Jesus é viva até nossos dias e ecoa ainda nos tímpanos espirituais de quantos se vêm na agitação e nas urgências da vida moderna. Marta, Marta, você está ansiosa, estressada por uma quantidade enorme de motivos. Tantos que as vezes você nem sabe a causa de sua dor de cabeça, de sua taquicardia, de dos seus tremores, de sua insônia, do seu despertar precoce e enfadonho. Contudo, muito pouco ou até mesmo apenas uma coisa é necessária. E a sua irmã, que aparentemente está em passividade ou indolência, optou pela melhor parte, a que nunca passa, a que permanece.

Este é o primeiro exemplo de Maria, permanecer em paz, aos pés de Jesus, mesmo nos momentos de tormenta exterior. Colocar aos pés de Jesus, suas angústias, seu medo, suas dúvidas, escutando, sem nada dizer, as palavras imorredouras do mestre. Palavras que muito bem podem ser as do Sermão do Monte: Felizes os pacificadores, Felizes os que choram, os que têm o coração livre de sentimentos maus, os que são simples, os que sofrem pela justiça, os que são perseguidos pelo meu nome. Como nos diz Clóvis Tavares, meu Pai em seu inolvidável De Jesus para os que Sofrem: “ Procuro mais e mais- e é tão difícil, Senhor- ouvir-Te no Sermão da Montanha...”

Como entender o sentido prático desta admoestação do Senhor? Há momentos para tudo e jamais podemos suplantar as nossas necessidades espirituais com a Ação. Existe o tempo de agir e o tempo de apreender o Testamento de Jesus. Existem as necessidades que nos exortam ao movimento dos músculos, mas, sobretudo, existe a nossa necessidade de transcendência, que é a mais alta e a mais esquecida necessidade humana. Em O Livro dos Espíritos, a Lei de Adoração figura como a primeira expressão da Lei Natural. Portanto, aos Teus pés, Senhor, nossos problemas e nossas dúvidas, nossos temores e nossas aflições, nossa pressa e nossa impulsividade.

***

O segundo momento que anotamos é justamente aquele da Ressurreição de Lázaro, irmão de Maria e Marta. Elas sabiam que Jesus, que havia saído de Jerusalém, ainda encontrava-se próximo. Vendo a gravidade da enfermidade de Lázaro, sabendo também da amizade de Jesus a seu irmão, enviaram um mensageiro dando notícias da urgência de sua vinda à Betânia. Jesus, porém, demora ainda dois dias para dirigir-se à aldeia aos pés do Monte das Oliveiras. Diz o texto:

“Estava, porém, enfermo um certo Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta. E Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com ungüento, e lhe tinha enxugado os pés com os seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava enfermo. Mandaram-lhe, pois, suas irmãs dizer: Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas. E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela. Ora, Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. Ouvindo, pois, que estava enfermo, ficou ainda dois dias no lugar onde estava. Depois disto, disse aos seus discípulos: Vamos outra vez para a Judéia. Disseram-lhe os discípulos: Rabi, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e tornas para lá? Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; Mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz. Assim falou; e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono. Disseram, pois, os seus discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo. Mas Jesus dizia isto da sua morte; eles, porém, cuidavam que falava do repouso do sono. Então Jesus disse-lhes claramente: Lázaro está morto; E folgo, por amor de vós, de que eu lá não estivesse, para que acrediteis; mas vamos ter com ele. Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos condiscípulos: Vamos nós também, para morrermos com ele. Chegando, pois, Jesus, achou que já havia quatro dias que estava na sepultura. (Ora Betânia distava de Jerusalém quase quinze estádios.) E muitos dos judeus tinham ido consolar a Marta e a Maria, acerca de seu irmão. Ouvindo, pois, Marta que Jesus vinha, saiu-lhe ao encontro; Maria, porém, ficou assentada em casa. Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá. Disse-lhe Jesus: Teu irmão há de ressuscitar.Disse-lhe Marta: Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia.Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto? Disse-lhe ela: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo. E, dito isto, partiu, e chamou em segredo a Maria, sua irmã, dizendo: O Mestre está cá, e chama-te. Ela, ouvindo isto, levantou-se logo, e foi ter com ele. (Ainda Jesus não tinha chegado à aldeia, mas estava no lugar onde Marta o encontrara.) Vendo, pois, os judeus, que estavam com ela em casa e a consolavam, que Maria apressadamente se levantara e saíra, seguiram-na, dizendo: Vai ao sepulcro para chorar ali. Tendo, pois, Maria chegado aonde Jesus estava, e vendo-o, lançou-se aos seus pés, dizendo-lhe: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Jesus pois, quando a viu chorar, e também chorando os judeus que com ela vinham, moveu-se muito em espírito, e perturbou-se. E disse: Onde o pusestes? Disseram-lhe: Senhor, vem, e vê. Jesus chorou. Disseram, pois, os judeus: Vede como o amava. E alguns deles disseram: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também com que este não morresse? [...}”

Riquíssimo de elementos este longo texto do Evangelho de João. Tomaremos apenas as referências a Maria. Este é o momento da Dor, da Perda, do Luto, da Prova. Aqui vemos uma Maria que não teve a mesma força que sua irmã, de ir de imediato ao encontro de Jesus, quando soube, com sua irmã, que Ele aproximava-se da cidade. Enquanto Marta levantou-se e foi ao encontro de Jesus, Maria ficou em casa e mal podia levantar a cabeça. Estava cercada de seus concidadãos, que choravam junto com ela a irreparável perda do mercador de perfumes, amigo de todos que era Lázaro. Mas Marta retorna e pede que ela tenha forças e vá ao encontro de Jesus. Esta também é uma situação comum. Quantas vezes somos deparados com um turbilhão de perdas, de luto, de angústias inenarráveis, de dramas humanos que nos tiram a força de ir ao encontro de Jesus. Mas Maria de Betânia, mesmo arrasada em suas energias interiores, o convite da à sugestão da irmã, mais dinâmica, mas corajosa, mais ativa. E buscou força nas riquezas escondidas de que nos fala Clóvis Tavares no De Jesus para os que Sofrem, referindo-se ao grande cristão indiano Sundar Singh: “Quando carregamos a cruz e sofremos, as riquezas ocultas de nossas almas vem à luz [...] e põem em atividade poderes ocultos de nossas almas.”

E foi justamente buscando essas potências do espírito, que emergem nos vórtices das dores, que Maria levantou-se e foi ter com Jesus. Ali mais uma vez coloca-se aos pés do Mestre e a sua dor comove Jesus. Diz o texto: Jesus moveu-se em espírito e perturbou-se. E logo depois o menor versículo da Bíblia: Jesus chorou. Desse modo, Maria suscitou a empatia de Jesus com a sua aflição e foi consolada. Depôs aos pés do mestre a dor da perda, o sentimento do luto, a perplexidade do momento da separação inesperada do irmão amado, a dúvida sobre o seu futuro, a saudade, a mágoa da solidão, as lágrimas...

***

O terceiro momento em que anotamos um encontro de Jesus com Maria de Betânia é na casa de Simão, o leproso, texto narrado por Mateus, Marcos e João. Neste caso, Lucas não se refere a este episódio, embora exista a narrativa de uma mulher adúltera que também derrama perfume aos pés de Jesus e enxuga com os seus cabelos, também na casa de um fariseu chamado Simão. Entretanto isso ocorre muito antes da última Páscoa e certamente é outro episódio. Lembro-me sempre de como termina João o relato de seu Evangelho: “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem.” Eis o texto de João:

Foi, pois, Jesus seis dias antes da páscoa a Betânia, onde estava Lázaro, o que falecera, e a quem ressuscitara dentre os mortos.Fizeram-lhe, pois, ali uma ceia, e Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele. Então Maria, tomando um arrátel de ungüento de nardo puro, de muito preço, ungiu os pés de Jesus, e enxugou-lhe os pés com os seus cabelos; e encheu-se a casa do cheiro do ungüento. Então, um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, filho de Simão, o que havia de traí-lo, disse: Por que não se vendeu este ungüento por trezentos dinheiros e não se deu aos pobres? Ora, ele disse isto, não pelo cuidado que tivesse dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava. Disse, pois, Jesus: Deixai-a; para o dia da minha sepultura guardou isto; Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes.

Aqui vê-se mais uma vez os padrões de comportamento. Marta está a servir o jantar. Então é realmente o perfil psicológico de Marta. Ela era ativa, gostava de ajudar, de servir, de estar na linha de frente. Maria nesse dia, aproximava-se a Páscoa, estava inebriada da estranhável emoção da possível perda de Jesus. Algo a fez compenetrar-se na figura excelsa do seu Mestre e querer permanecer perto d’Ele. Desta vez Marta não ousou queixar-se. Estar na proximidade de Jesus devia ser uma sensação de um grande êxtase, para aqueles que o aproveitavam. Publius Lentulus, com todo o seu orgulho patrício, caiu por terra diante do encontro pessoal com Jesus às margens do Tiberíades. O soldado que o foi prender titubeou ao fitar o olhar de Jesus.

Eu me recordo que no ano de 1967, recebemos a inesquecível visita de Chico Xavier em nossa casa. Lá, ele permaneceu dez longos dias, que são infinitamente extensos em nossa memória. E creio que Papai bem poderia terminar o Trinta Anos com Chico Xavier, parafraseando o apóstolo João. Chico Xavier fez e disse muito mais do que está narrado neste livro. E se fosse possível relatar tudo, creio que nem mesmo o mundo caberia os livros que se escrevessem.

Eu me recordo que o Chico gostava de banhar-se longe do burburinho das praias principais de Atafona. Ele tomava banho de camisa, por causa das lesões cicatriciais que trazia no abdome. Papai e Mamãe não tinham carro e um amigo que não era espírita, ofereceu-se para levar-nos em uma camionete para uma praia afastada chamada Coréia, próxima da Marinha, em Atafona, à época uma praia deserta. Quando Chico, após um banho de mar, que todo mineiro anseia por tomar, sentava-se na praia e punha-se a conversar com Papai, o amigo escutava calado. E por alguns dias, escutou atentamente, aos pés de Chico, as sábias palavras que emanavam da boca daquele apóstolo de Jesus. Acontece que este amigo tinha um problema. Ele era inimigo de uma mulher, que fora esposa de seu irmão morto. Ele não mantinha nenhum contato com ela e nem com os seus filhos. Ele era um rico empresário. Ela, uma viúva pensionista que mal podia alimentar os pequenos órfãos, seus sobrinhos. Ele estava distante da cunhada e dos sobrinhos havia alguns anos e não se importava com as notícias que lhe traziam a respeito de doenças, da fome, das carências as mais diversas, pois julgava que não podia ajudar uma inimiga. Chico nunca soube desse fato, que apenas meu Pai conhecia. Entretanto, após a partida de Chico, sem que ninguém tocasse neste assunto com o nosso amigo, ele mudou totalmente a sua atitude. Procurou a cunhada e perdoou-a. Reformou a sua casa, deu-lhe um emprego em sua empresa, colocou os meninos em boas escolas. Alguns anos mais tarde custeou os estudos de um nos Estados Unidos e pagou integralmente a Faculdade de Medicina para o outro. Quem fez este milagre? Chico Xavier? Ele jamais soube disso. Foi a proximidade com a sua aura de amor. Foi o fato de nosso amigo ter-se colocado aos pés dele.

Maria de Betânia estava aflita, pois pressentia o momento final de Jesus. Queria aproveitar todos os momentos aos seus pés. Mas dessa oportunidade, ela não procurou Jesus para deitar aos seus pés as suas ansiedades e seus medos e nem tampouco o procurou para prostrar-se num momento de dor e de saudade. Ela foi até Jesus para aos seus pés, mais uma vez, demonstrar o seu amor em forma de um gesto de humildade e de devoção. O óleo aromático de Nardo era caríssimo. Cerca de 300 mililitros que valiam o equivalente a 300 denários, ou seja, 300 diárias dos trabalhadores do campo. Quase um ano de trabalho de um lavrador. Ela não se importou. Não se importou também com o murmurinho que fez Judas e segundo o Evangelho de Mateus, fizeram também os outros discípulos, influenciados pela indignação de Judas. Afinal, como gastar tanto para prestar uma reverência a Jesus? Mas Jesus afirmou que Ele estava sendo ungido antecipadamente para a morte e que o gesto de Maria de Betânia nunca seria esquecido.

Estamos diante de uma mulher que se fez arquétipo da humildade. Sempre prostrada aos pés de Jesus, ela representou num primeiro momento a pessoa que deposita aos pés de Jesus as suas humanas incertezas. Nós também podemos usar os textos do Novo Testamento para depositarmos aos pés de Cristo, nossas necessidades.Precisamos disciplinar-nos para que nossas dificuldades se desvaneçam aos pés de Jesus.

Meu Pai ensinou-nos em casa a abrir o Evangelho três vezes após uma oração, sempre que estivéssemos diante de um dilema moral. Que fazer? Como adequar a nossa conduta à vontade de Deus? E se a necessidade de sobrevivência nos constranger a contrariar a nossa consciência? Fazer uma oração e depositar aos pés de Jesus as nossas incertezas humanas. Ele nos falará através dos nossos olhos de ver e de nossos ouvidos de ouvir. É só abrir o coração e colocar-se aos Seus pés.

Maria num segundo momento, mais uma vez depôs aos pés de seu Mestre, a sua máxima dor, recebendo um consolo muito maior do que poderia supor.

Todos nós temos de passar perdas na vida. As perdas são necessárias para construção de nosso caráter. O malho e o fogo forjam o ferro na oficina divina. As perdas fazem parte da estratégia do Criador para desenvolver nas criaturas o sentimento. E nessas horas, depositar aos pés do Mestre nossas dores, mesmo que estejamos frágeis, é nossa atitude mais inteligente.

E num terceiro momento, Maria, num momento místico de devoção, de transcendência, novamente aos pés de seu Rabi, depõe a sua adoração. São os momentos em que nós precisamos ficar sozinhos e orar a Jesus, conversar com Ele, chorar com
Ele, agradecer a ele ou simplesmente dizer e dizer que O amamos. Pedro precisou reafirmar isso três vezes. Quantas vezes necessitamos afirmar a Jesus que O amamos.

Em lugar da atribulação, a pacificação.

Em lugar do estresse, a entrega, da dúvida, a certeza.

Ao invés do medo, a confiança, da pressa, a calma, da impulsividade, a ponderação.

E quando nos sobrevier a razão pura, buscar a intuição. Quando os argumentos da materialidade falarem mais forte, busquemos a espiritualidade.

Desse modo, a inteligência se desenvolverá. Passaremos da inteligência da lógica para a inteligência espiritual. Só assim descobriremos que pessoas que depositam aos pés do Cristo todas as suas emoções, todos os seus sofrimentos, toda a sua adoração, são portadoras de uma inteligência muito mais sofisticada e produtiva.

Maria de Betânia é realmente uma esquecida, uma injustiçada. A ela devemos a exemplificação de que é sempre possível, principalmente nos momentos mais graves de nossas vidas, diante de dilemas morais, diante de perdas aparentemente irreparáveis, diante de todas as situações limite de nossas resistências físicas, quando formos visitados pelo desânimo, pela amargura, pelas decepções, pela injúria, pela calúnia, pela ingratidão, pelas incompreensões dos mais amados, pela vontade de desistir, pelo desencanto com a vida, pela desesperança a respeito do futuro. Em todas estas situações, Deus nos enviará um irmão mais forte, à maneira de Marta, chamando-nos para ir ao encontro de Jesus, como Maria o fez na morte de Lázaro.

Em todas estas situações nós poderemos lançar mão das palavras de Jesus que podem soar e ferir nossos sentidos espirituais. E sempre aos pés de Jesus, poderemos converter todas as aflições, todas as dores e todos os necessários momentos de transcendência numa atitude de prostração aos pés de Jesus.

Flávio Mussa Tavares