A aparência de Allan Kardec
"De cultura acima do normal nos homens ilustres de sua idade e do seu tempo, impôs-se ao geral respeito desde moço. Temperamento infenso à fantasia, sem instinto poético nem romanesco, todo inclinado ao método, à ordem, à disciplina mental, praticava na palavra escrita ou falada, a precisão, a nitidez, a simplicidade, dentro dum vernáculo perfeito, escoimado de redundâncias. De estatura meã, 165 centímetros e constituição delicada, embora saudável e resistente, o professor Rivail tinha o rosto sempre pálido, chupado, de zigomas salientes e pele sardenta, castigado de rugas e verrugas. Fronte vertical comprida e larga, arredondada ao alto, erguida sobre arcadas orbitais proeminentes, com sobrancelhas abundantes e castanhas. Cabelos lisos e grisalhos, ralos por toda a parte, falhos atrás (onde alguns fios mal encobriam a larga coroa calva da madureza) repartidos na frente, da esquerda para a direita, sem topete, confundidos, na frente, nos temporais, com barbas grisalhas e aparadas que lhe desciam até o lóbulo das orelhas e cobriam, na nuca, o colarinho duro, de pontas coladas ao queixo. Olhos pequenos e afundados, com olheiras e pápulas. Nariz grande, ligeiramente acavalado perto dos olhos, com largas narinas entre rictos arqueados e austeros. Bigodes rarefeitos, aparados à borda do lábio, quase todo branco. Pêra triangular sob o beiço, disfarçando uma pinta cabeluda, semblante severo quando estudava ou magnetizava, mas cheio de vivacidade amena e sedutora quando ensinava e palestrava. O que nele mais impressionava era o olhar estranho e misterioso, cativante pela brandura das pupilas pardas, autoritário pela penetração a fundo na alma do interlocutor. Pousava sobre o ouvinte como suave farol e não se desviava abstrato para o vago senão quando meditava, a sós. E o que mais personalidade lhe dava era a voz, clara e firme, de tonalidade agradável e oracional, que podia mesclar agradavelmente desde o murmúrio acariciante até explosões de eloqüência parlamentar. Sua gesticulação era sóbria, educada. Quando ouvia uma pessoa, enfiava o polegar direito no espaço entre dois botões do colete, a fim de não aparentar impaciência e, ao contrário, convencer de sua tolerância e atenção. Conversando com discípulos ou amigos íntimos, apunha algumas vezes a destra no ombro do ouvinte, num gesto de familiaridade. Mantinha rigorosa etiqueta social diante das damas."
Dr. Sílvio Canuto de Abreu
Correio Fraterno do ABC - Outubro/2001
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