A medida sem medida
"Haverá Céu sem a presença daqueles que amamos?
Teremos Paz, sem alegria para os que moram em nosso coração?"
André Luiz- Entre a Terra e o Céu
Quis a Providência de Deus que a alma brasileira fosse uma conjugação de três fatores genéticos distintos, de modo a inaugurar na nossa Terra uma nova experiência genética, até então, inaudita. A miscigenação na terra da Santa Cruz apenas tornou-se um fato porque a alma portuguesa trouxe para estas plagas o seu romantismo regado a nostalgia. Há também um quê de melancolia na expressão anímica que nosso caldo genético recebeu da genes lusa.
Senão, vejamos algo desse sentir tão misterioso, a ponto de ser inexprimível, na totalidade de seu conteúdo semiológico, em qualquer outro idioma: a Saudade!
Pode-se emprestar à Saudade, a acepção inglesa do missing, que é sentir falta!
Todavia, todos que temos o sentir intraduzível da saudade em nosso íntimo, sabemos que sentir falta de alguém é uma pálida idéia do que o romântico sente em seu mais íntimo do ser.
Outros já tentaram associar a idéia de Saudade ao regret francês, o que redunda mais uma vez num reducionismo semântico, pois aqui repousa a idéia melancólica do pesar e do lastimar.
Se Saudade não é tão somente a lástima ou sentir a ausência de um amado, se não se resume no simplório sentir falta, a que podemos compará-la? Como descrevê-la a um não-luso-afro-índio-descendente?
Acreditamos que na formação desse caldo, protótipo do homem do terceiro milênio, o elemento português, o ameríndio e o africano contribuíram de modo paritário. Seguindo a informação de Humberto de Campos em Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, sabemos que o negro nos trouxe a contribuição da humildade e do espírito de servir, o nosso elemento ameríndio legou-nos a simplicidade e a bondade ingênua e o português, a bravura, o espírito de aventura, associado ao seu romantismo eivado de uma tristeza nostálgica.
Essa foi a fórmula encontrada pelo Cristo para plasmar na imensidão dos séculos, que são para ele somente alguns instantes na grande noite dos tempos, a alma brasileira.
É desta alma de Vera Cruz que nos fala Clóvis Tavares, cunhando para nós a frase lapidar: A Saudade é o Metro do Amor!
E aqui, Saudade não refere-se apenas ao nosso pesar pela falta de um ser ausente.
Mais que isso, Saudade é uma nostalgia da inocência original. De nossa infância espiritual nas imemoriais épocas inacessíveis aos nossos arquivos disponíveis. Em algum tempo, houve uma pureza, um sentimento de doce dependência do Ser que ama todas as criaturas. Esse sentimento nos envolve em uma egrégora inefável, onde se abandona num oceano infinito de Amor.
Só quem ama pode dimensionar essa saudade imensa. Só quem tem essa saudade imensa pode verdadeiramente amar. Ter saudade é como um rasgo de lucidez na escuridão da inconsciência. É como um lampejo de alegria em meio à amargura. É uma aspiração de alcançar uma nova dimensão. É um Portal de um outro Espaço-Tempo.
Clóvis Tavares, em sua palestra dominical do dia 18 de maio de 1952, comentando o Evangelho de Mateus, capítulo 7, versos 24 a 27, quando se compara a construção de uma casa sobre a rocha e outra sobre a areia, contou a seguinte estória:
"Uma pequenina descendente de condes e barões foi raptada do castelo onde morava, quando colhia flores no jardim, por ciganos malfeitores. Cresceu e foi educada entre os ciganos, habituando-se à vida errante e cheia de atropelos. Um dia, a sua alma despertou, ela sonhou que uma bela fada chegou junto a ela e disse: "Aqui está um castelo que é seu". Ela não pôde resistir aos sonhos sucessivos."Seu pai está no castelo esperando por você, até hoje, sem saber onde você está, "dizia a voz.
Então , ela fugiu, em busca do castelo, esperando encontrá-lo.
Encontrará? Perguntais.
Cristo também tem um castelo e está a nossa espera. Nossas almas foram raptadas pelos ciganos de nossas paixões, mas a voz de um espírito de luz, que é a voz da Fé, está sempre a nos dizer de nosso castelo no Céu. Por isso, a alma humana tem momentos de lucidez e se abate quando se recorda do castelo celeste.
Queremos nós sair de nosso estado de seqüestro espiritual?"
É preciso depurar a nossa Saudade, para que busquemos as aspirações mais sublimes da alma, fazendo com que esta Saudade seja realmente a medida de nosso Amor.
***
Recebe, pois, Papai, dos páramos celestiais, nossa gratidão, nossa Saudade e nosso mais sincero amplexo espiritual, sentindo-o sempre presente, na nossa memória, nos nossos pensamentos, nos nossos sonhos, nas nossas palavras e em nossas mais singelas ações.
Seu filho,
Flávio
Nenhum comentário:
Postar um comentário