Flávio Mussa Tavares
“Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas. Mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o Senhor, que faço beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor.” Jer 9:23-24
Não há um consenso nas Neurociências a respeito de qual é a instância do homem que o personaliza. Em outras palavras: qual de nossos atributos é o nosso Eu? A vontade, o intelecto, os instintos, a estrutura biológica, as nossas posses?
Há indivíduos que confundem-se a si mesmos com os objetos que julgam possuir. Nesse caso, lutam pela sua manutenção e sofrem irreparavelmente com a sua perda, como se fosse uma ferida na alma.
Há os que reconhecem-se como a sua estrutura corporal, esmerando-se desse modo, pela sua aparência e higidez e sofrendo moralmente com qualquer dano ao mesmo.
Os que identificam-se com as sua potências instintivas, vangloriam-se delas e recusam-se a aceitar a sua temporalidade, lutando desesperadamente para vencer a irresistível desagregação natural imposta pela biologia.
Há ainda os que pensam ser as suas potências intelectivas, hipertrofiando a auto-imagem que parece ser inatingível pela corrosão do tempo. Estes sofrem irreparavelmente qualquer perda em sua capacidade cognitiva.
Outros identificam-se com o poder mental, com a sua vontade egoística que passa a significar o resumo de seu próprio Eu e perturbam-se nas situações de defecção de sua forca volitiva.
“O entendimento acha o que há, a vontade acha o que quer.
Conforme a vontade quer, assim acha. Se a vontade quer favorecer, achará merecimento em Barrabás. Se a vontade quer condenar achará culpa em Jesus Cristo.” Pe. Antônio Vieira.
Observa-se os que jactanciam-se diante dos homens por qualquer destes atributos que são considerados privilégios. O Rico, o belo e saudável, o superdotado intelectualmente e o que tem determinação e coragem entendem que esses atributos são parte integrante de sua personalidade e confundem-se com estes.
A alta percepção do Profeta Jeremias sugere que nos não façamos a confusão entre as aquisições espirituais e as posses transitórias do espírito encarnado. A Parábola dos Talentos demonstra que cada dom, como empréstimo divino pode ou não ser incorporado ao nosso patrimônio do espírito.
Como termina Jeremias o seu oráculo, isto e, a sua recepção mediúnica: “fiquem felizes em me entender e me conhecer, que eu sou o Senhor, que faço beneficência, juízo e justiça na terra”. O que significa? Que qualquer destes atributos são empréstimos, são dotes a nos confiados por uma providencia que quer sentir a nossa capacidade de empregá-los para o bem comum. Posses, saúde e forca física, energia, vontade, inteligência e coragem precisam ser empregados na transformação do mundo. Este planeta precisa mudar.
Vivemos uma época de individualismo escancarado. Uma grande maioria das pessoas prefere as garantias individuais, egoísticas, fazendo uma blindagem de indiferença e insensibilidade. Esta frieza de espírito, antes so observada nas elites, atingiu a classe media, que e hoje a propulsora da economia baseada na aquisição cada vez maior de bens que visam uma aparente estabilidade. Bens que visam um conforto e uma crescente inatividade do cérebro e dos músculos. Ate mesmo as classes menos favorecidas, antes dóceis e humildes, aprenderam a linguagem da ganância e do egoísmo, o que faz de nossa humanidade uma geração hipócrita e desumana.
Como justificar tamanho egocentrismo? Primeiro, justifica-se com a declaração de que somos imperfeitos e que não e para o homem mudar a face do mundo.
Segundo, as tentativas de grandes mudanças resultaram mais em sofrimento coletivo que verdadeiramente reformas.
Terceiro, a Providencia Divina se encarregara de mudar o planeta.
Isso gera, acomodação fatalista, desanimo frente a projetos de melhora do ser humano e a capitulação diante da crueldade da exclusão social do mundo.
Segundo a percepção medianimica de Jeremias, e preciso conhecer que Deus reina e quer o bem de todos, que quer justiça na Terra e que julgara os nossos atos.
Como lutar por atributos personalizados, que nos fazem incrementar a nossa vaidade, e nos perder espiritualmente? O que aproveitaremos de posses materiais? Dos atributos corporais? Da satisfação de nossos desejos instintivos? De nossa inteligência apurada? Da forca de nossa vontade? O que a nossa instancia mais profunda aproveitara, se tudo isso se dissipar com a morte? Que valores estaremos transferindo para o nosso Eu imortal?
Voltamos a primeira questão? Quem somos nós? Nossas propriedades? Só um louco diria que sim, mas muitos vivem por elas e perdem sua vida imortal por aquisições temporárias. O nosso corpo? Alguns pensam que sim. Mas mesmo os que pensam não, ainda assim, vivem para adorná-lo e fortificá-lo, em detrimento do nosso ser espiritual. Tornam-se obsessivamente preocupados com a beleza e com a integridade corporal que sacrificam dons do espírito para tornar-se vassalos do corpo. Somos por ventura reflexo de nossos desejos? Podemos ou devemos suprimi-los? A grande maioria relaxa suas resistências em função das pressões dos hormônios e atrelam-se a forcas atávicas da criação. Como desvencilhar-se da armadilha da hipertrofia da inteligência? E da hipertrofia da vontade?
As provas da riqueza, da beleza, da saúde, da inteligência e da forca do cérebro são difíceis de vencer num mundo que cada vez mais incita o individualismo e a vaidade.
Como restaurar a sensibilidade, a fraternidade, a solidariedade?
Pensemos que tudo que temos, somos e conquistamos na esfera física ou intelectual são oportunidades de multiplicação. O prazo e nossa existência terrena. Os nossos testes são realizados enquanto encarnados. O mundo e de Expiação. Expiar e uma forma de tratamento psicofísico de nossas imperfeições. Expiar e purgar, transferir do espírito para o corpo, do coração para as circunstancias da vida. Não para pagar, mas sim para aprender. Não como vingança divina, mas como meio pedagógico de um Pai que não se cansa de ensinar. Provas são as situações em que somos defrontados, nas quais já e possível uma vitória. Ninguém e provado sem possibilidade de vencer. As provas são situações em que os dilemas se nos apresentam. De um lado o nosso passado com as facilidades, com a beleza, a riqueza, a cultura, a vaidade. De outro lado, a renuncia, a aparente perda, o sacrifício. No primeiro caso, ao ceder as forcas atávicas, perdemos os valores que quase conquistamos. No segundo caso, assimilamos em nos, transformamos os valores emprestados por Deus em valores espirituais.
O Valor do homem não esta no que pensa ter ou ser, mas no que renuncia. E por isso que o grande Albert Schweitzer, o medico das selvas, disse: “ Não há heróis da ação, há apenas heróis da renuncia e do sofrimento.”