segunda-feira, maio 28, 2007

SOU CONTRA O ABORTO... E AÍ?

Apresento a todos a carta e mim enviada pelo meu amigo médico e escritor, Gilberto, enfatizando o seu ponto de vista genuinamente cristão sobre a questão social e espeitual envolvida com a prática do abortamento.

Flávio Mussa Tavares


SOU CONTRA O ABORTO... E AÍ?

De Gilberto Ribeiro Vieira

Eu sou contra o aborto. Acredito que todo o cristão, em sã consciência, também o seja.

A primeira contribuição que devemos oferecer é não praticar o abortamento em nenhuma circunstância. Portanto, é indispensável prevenir. A única prevenção absolutamente segura exige abstinência sexual, e sabemos que constitui uma alternativa para poucas pessoas. Manter atividade sexual tornou-se uma espécie de direito indeclinável para quase toda a humanidade. Porém, eu continuo acreditando que exercer algum controle sobre a sexualidade – variável para cada grau de evolução – representa meta de ascensão espiritual. Assim, não convém se entregar ao intercâmbio sexual, sem a regência do sentimento. Note-se que, anatomicamente, o coração se localiza acima da genitália. Fazer sexo, na ausência de afeto, significa dar vazão ao instinto e perder o norteamento indispensável.

Conquanto para muita gente, a afeição justifique a interação sexual, uma minoria requisita de si mesmo um elemento a mais, que se pode resumir através da palavra compromisso. Portanto, além do carinho, da simpatia ou do amor que o atrai na direção da outra pessoa, o indivíduo mais maduro estabelece em sua própria consciência o dever de arcar com toda e qualquer conseqüência que advenha do intercurso sexual. Registre-se que, simbolicamente situada na cabeça, a consciência encontra-se, pois, acima do coração.

Desse modo, o relacionamento sexual de um sujeito mais sensato mostra-se uma iniciativa bastante complexa, envolvendo afeto e comprometimento. Anda no mundo, sem ser do mundo. Vê as inúmeras complicações que as criaturas se metem por conta do prazer sexual desavisado e elege a porta estreita da renúncia e da fidelidade. Numa época em que a sexolatria impera e o erotismo campeia desbragado, o cristão verdadeiro destoa da grande massa. Ele sabe que a região do quadril é onde fração expressiva da humanidade transita, temporariamente, em sua evolução rumo a estágios mais altos. É nesse nível que a força espiritual se agita e arrasta as figuras invigilantes a dolorosos desregramentos. O discípulo do Evangelho analisa, pondera e escolhe a atitude prudente de evitar o contato sexual, a menos que exista afeto e somente quando já lhe seja possível assumir uma eventual gravidez, ainda que não desejada. E, em qualquer circunstância, havendo intimidade sexual, utiliza os recursos anticoncepcionais, de preferência, associando o preservativo com algum outro.

Sou contra o aborto. A segunda contribuição que podemos oferecer é amar os nossos filhos, sem queixas pelo trabalho que a manutenção ou a educação deles reclama de nossas forças e de nosso tempo. É imprescindível amá-los com alegria. Declarar de cima dos telhados a nossa gratidão por essa tarefa bendita. Seja qual for a dificuldade, seja qual for o problema, seja qual for a angústia que, por causa deles, venhamos a experimentar, a cada dia renovaremos nossa disposição e nosso carinho. Antes de tudo, nós os aceitamos quais são, depois os educaremos, pacientemente, tendo em vista que aprendemos com Kardec a primeiro amar e só então, instruir. Dessa maneira, nós demonstraremos aos vacilantes em tomar o fardo da progenitura que, de fato, vale a pena ser pai/mãe já que o júbilo e a amizade permanecem acima de todas as aflições e aborrecimentos.

Sou contra o aborto. A terceira contribuição que nos cabe aduzir é não compactuar com a realização de qualquer abortamento. Advertir e esclarecer qualquer um que nos cruze os passos abrigando tal objetivo, destacando os aspectos positivos e sublimes da pater/maternidade. Quem sente amor pelos filhos, pelas crianças, pelo próximo, pode contagiar a pessoa que hesita ou que se dispõe ao gesto infeliz, insuflando-lhe coragem, esperança ou resignação.

Sou contra o aborto. A quarta contribuição que podemos ofertar é não incriminar os que cometem a sandice de matar o próprio filho. Existe loucura maior do que esta? Exterminar uma criatura indefesa no próprio ventre, a quem se deveria amar incondicionalmente? Só uma pessoa transtornada e inconsciente de si mesmo e da venturosa missão familiar perpetra um crime tão abominável. Diante desse alienado não é lícito ao cristão o uso do açoite ou da punição. Basta ao doente a loucura em si mesma. Ou haveremos de transferir todos os dementes para as penitenciarias? É necessário tratá-los, cuidando de suas perturbações. Em momento algum o Cristo se alia aos condenadores, mesmo quando alicerçados no direito vigente. Segundo a legislação dos judeus, a mulher adúltera deveria ser apedrejada. Era a lei! Jesus, entanto, recomenda que atire a primeira pedra aquele que esteja sem pecado. O discípulo do Evangelho está convocado para implantar a lei do perdão nas consciências. Mas, ele não pode cruzar os braços diante da dor de milhões de fetos, cujo choro não chega a ser emitido, arrancados violentamente das entranhas maternas. Acrescente-se que incriminar o aborto significa conformar-se com a injustiça, porque se condenaria, frequentemente, a mulher e, bastas vezes, o homem é o principal responsável, ora pela indução, ora pelo abandono.

O Movimento da Fraternidade deve ser contra o aborto e trabalhar ativamente para reduzi-lo entre os fraternistas ou naqueles que freqüentam suas atividades. Em especial, preparando e direcionando orientadores para dialogar com jovens e adolescentes sobre a sexualidade. É recomendável ter um discurso isento de preconceitos e de expectativas exaltadas de sublimação, incompatíveis com o grau evolutivo do ser humano ou da fase cultural em que vivemos. Os fraternistas, podemos e devemos ter alguma iniciativa para minorar esta tragédia planetária, mas que passe muito longe de acentuar o remorso – esses pais faltosos irão despertar um dia, e ai deles, pois muitos ressecarão suas potencialidades germinadoras ou lesionarão gravemente seus próprios órgãos reprodutivos. Precisamos nutrir compaixão por eles e não sentenciá-los. Imagina se o Cristo se juntaria, hoje, com os fomentadores de culpa!

“Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Dize-a, Mestre. Um certo credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos dinheiros, e outro cincoenta. E não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Dize, pois, qual deles o amará mais? E Simão, respondendo, disse: tenho para mim que é aquele a quem mais perdoou. E ele lhe disse: julgaste bem.” (Lucas, 7:40-43).

Ser contra o aborto é fácil, o desafio é perdoar e realizar algum trabalho de prevenção ou de assistência em favor dos que cometeram o ato.

Então, amigos, é isso. Depois desse arrazoado, eu lhes pergunto: o que é pior, matar o próprio filho, num surto de insanidade espiritual, ou incriminar este louco, dispondo de uma razão lúcida?

Abraços,

Gilberto

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